Nicolau & Alexandra
O livro “Nicolau & Alexandra. O Relato Clássico da Queda da Dinastia Romanov”, de Robert K. Massie foi uma grande surpresa neste ano de 2014. O livro foi lançado em 1967, mas é considerado uma grande referência para aqueles que gostam e estudam o tema seriamente. O livro foi concebido graças a diários, cartas entrevistas e memórias deixadas por homens e mulheres que estiveram intimamente envolvidos nesse grande drama. E foi através dessas informações fragmentadas que o autor estruturou essa grande biografia.
O autor, Robert K. Massie, é pai de um hemofílico, e foi isso que o fez se interessar pela família Romanov. O autor inicialmente estava interessado em saber como a família conviveu com a doença que teve origem genética na linhagem familiar da rainha Victória da Grã Bretanha. A doença e seus efeitos é o tema subjacente do livro. O herdeiro aparente, Aléxis, nasceu com a doença e isso afetou a relação dos seus pais, o czar Nicolau II e da Imperatriz Alexander. A doença, que apareceu na família da rainha Victoria, afetou grande parte da realeza européia.
Quando o filho de Nicolau e Alexandra nasceu, foi tomado por um imenso fatalismo. Nicolau sempre fora impressionado pelo fato de ter nascido no dia em que pelo calendário russo, era o dia de Jó. Com a passagem do tempo, esse fatalismo passou a dominar sua aparência a ponto de dizer:
“Tenho a secreta convicção” ele disse a um ministro, “de que estou destinado a uma terrível provação, que não receberei minha recompensa nessa terra” (pg.131)
Poderemos resumir a questão central levantada pelo autor em suas próprias palavras:
“A revelação da condição de Alexei traria inevitavelmente novas pressões ao czar e à monarquia. Mas erguer um muro de segredo foi pior, pois deixou a família vulnerável a todo tipo de rumores maldosos. Minou o respeito da nação pela imperatriz e, por meio dela, pelo czar e pelo trono. E como a condição do czarevich (filho do czar) nunca foi revelada, os russos nunca entenderam o poder de Rasputin sobre a imperatriz. E nem puderam traçar um perfil verdadeiro de Alexandra. Ignorantes de sua provação, atribuíram erroneamente seu distanciamento a uma rejeição à Rússia e a seu povo. Os anos de preocupação deixaram uma expressão de tristeza gravada permanentemente em seu rosto. Quando ela se dirigiu ao povo, sempre parecia mergulhada em melancolia. Como dedicava horas às preces, a vida da corte tornou-se mais austera e suas aparições públicas foram reduzidas. Quando se apresentava, era silenciosa, aparentemente altiva e indiferente.. Jamais tendo sido uma consorte querida, Alexandra Feodorovna se tornava cada vez menos popular. Durante a guerra, quando a paixão nacional explodiu, todas as queixas dos russos tinham da imperatriz – seu nascimento alemão, sua frieza, sua devoção a Rasputin – se fundiram numa única torrente avassaladora de ódio”.
... “Desde a época em que seu filho nasceu, o foco central de sua vida foi a luta contra a hemofilia”. (Pg 181)
Pierre Gilliard ( tutor de Alexei filho de Nicolau e Alexandra) foi mais sucinto:
“A fatal influência daquele homem( Rasputin) foi a principal causa da morte daqueles que julgavam encontrar nele salvação” (pg. 230)
Relaciono este livro entre os três livros mais importantes que li ao longo deste ano. O livro não é ótimo, é maravilhoso. A sensação de estar lendo um romance às vezes acontece, pela forma de como se narra à história e o autor tem o pleno domínio da arte de contar uma história real.
E mais do que isso, o leitor consegue visualizar os acontecimentos e os fatos narrados como um filme mental. Mas o livro é uma biografia fartamente documentada e o autor conhece perfeitamente o seu objeto de estudo, ou seja, a história da monarquia russa, desde os seus primórdios. Seus livros anteriores, Pedro O Grande, que lhe valeu o prêmio Pulitzer, e Catarina, que ainda não li , ao que parece seguem a mesma linha.
As reações dos soviéticos sobre o livro tiveram opiniões diversas na época em que foi lançado. Os mais exaltados consideraram o livro como mentiras inventadas por um agente da CIA. Na introdução, Robert K Massie diz que no início dos anos 70, a visão entre os historiadores soviéticos, era que o autor não entendia a dialética marxista-leninista e não soube dar o devido peso ao papel de Lênin, a descrição e a análise de Nicolau, mas as análises de Nicolau e seu reinado foram considerados corretos. O livro não foi uma provocação política, mas apenas uma história mal contada, segundo os especialistas soviéticos da época.
Pois bem, com o fim do comunismo o livro “Nicolau & Alexandra. O Relato Clássico da Queda da Dinastia Romanov”, mesmo no novo ambiente criado pela “glasnost” todas as edições traduzidas foram piratas. Mas a popularidade e a curiosidade sobre o último czar só têm aumentado. E o livro também.
Robert K. Massie nos apresenta uma avaliação equilibrada do reinado de Nicolau II (1894-1917) iluminando tanto suas virtudes como suas fraquezas. Algumas características que determinaram a personalidade do czar que o autor enumera são três: o seu amor e devoção pelo país; sua devoção e obediência a Igreja Ortodoxa Russa; sua firme convicção na autocracia como método mais eficaz de governo. Foi um apaixonado por sua mulher. Foi um casamento por amor e não por obrigações da nobreza.
Nicolau II foi ensinado nas salas de aulas do palácio pelo seu grande professor e tutor político, Pobedonostsev, a abraçar a autocracia e a Igreja Ortodoxa, que tinha sido o sucesso da filosofia do governo da Rússia, por mais de mil anos.
O próprio pai de Nicolau, o venerável czar Alexander III governou a Rússia, seguindo o estilo autocrático e repressor, e funcionou muito bem. Seu estilo conservador tinha suas razões. Seu pai Alexander II foi assassinado, em São Petersburgo. Portanto, nas mentes de Alexander III e seu assessor Pobedonostsev, era que a única maneira de preservar a ordem social e evitar a anarquia na Rússia foi implementar o mesmo estilo de autocracia em que praticado por antepassados eminentemente bem sucedidos de Pedro o Grande e Catarina e Alexander III.
No relato de Robert Massie, os Romanovs não foram esses monstros pintados pelos bolcheviques, que, claro, tinham suas razões para pintar o monstro de acordo com os seus interesses. Só para que tenhamos uma idéia, nos primeiros anos do reinado de Nicolau II foram um período de brilho e conquistas intelectuais e culturais. Que ficou conhecido como a “Renascença russa”, ou a “Idade de Prata”. Na literatura, Anton Chekhov, e o sombrio Maxim Gorki, no teatro, Constantine Stanislavski, na pintura Vassily Kandinsky, Marc Chagal, o agitador cultural Serge Dhighiliev, os bailarinos Nijinski, Ana Pavlova Na música, Rimski Korsakov, Serge Prokoviev, Serge Rachmaninov, Igor Stravinski, Vladimir Horowitz,. Na medicina experimental, Ivan Pavlov ganhador do Nobel. Uma época em que a Rússia deu ao mundo grandes talentos.
Em 1906, três quartos do povo russo extraiam do solo sua sobrevivência, graças à lei de Stolypin, ministro do czar. Em 1914, nove milhões de famílias de camponeses tinham fazendas próprias. Não foi a toa que durante a coletivização forçada no campo por Lênin e Stalin milhões foram mortos.
Se Lênin era o Robespierre, Alexader Kerenski (que foi o primeiro ministro na primeira fase da revolução) era o Danton da Rússia quando escreveu:
“Não venham dizer que Lênin é a expressão de alguma força elemental russa supostamente asiática. Nasci sob o mesmo céu, respirei o mesmo ar, escutei as mesmas cantigas camponesas e brinquei no pátio do mesmo colégio. Vi os mesmos horizontes ilimitados da mesma alta margem do Volga, e sei, na minha própria carne... que somente perdendo todo o contato com nossa terra natal, somente esmagando todo o sentimento nativo por ela somente assim alguém poderia fazer o que Lênin fez ao mutilar deliberadamente a Rússia. (pg.99)
Paro por aqui. Sinto um enorme entusiasmo em falar sobre “Nicolau & Alexandra. O Relato Clássico da Queda da Dinastia Romanov”, de Robert K.Massie que está entre os grandes livros desse ano de 2014 um livro inesquecível, desses que ficam colados eternamente em nossos corações e mentes e que merece um lugar de destaque na sua estante.