Leila Diniz
Hoje, 8 de março, Dia da Mulher, me propus a escolher um livro que falasse sobre mulheres ou escrito por uma, “mas qual?”, fiquei olhando a estante e pensando... Afinal, são tantas mulheres inteligentes e vigorosas, com histórias fortes ou obras arrebatadoras que a escolha foi ficando cada vez mais difícil. Foi quando encontrei "Leila Diniz”, de Joaquim Ferreira dos Santos. E se existe um capítulo especial na história da mulher brasileira, esse pode ser chamado: Leila Diniz. E temos um bom registro, escrito de forma bem bacana, nessa obra que pertence à Companhia das Letras, na Coleção Perfis Brasileiros, coordenadas por Elio Gaspari e Lilia M. Schwacz. Um livro que evoca reminiscências de uma época dura na história brasileira e que situa historicamente a trajetória de Leila Diniz, seus momentos gloriosos e seus momentos obscuros, mas sem nunca deixar o sorriso de lado. Tudo isso, aliada a uma prosa gostosa e com informações relevantes nos proporciona uma visão bem particular de Leila.
Filha de militante do Partido Comunista, era chamada pela família de Leiluska. Um detalhe curioso, para se ter bem a noção do compromisso com o materialismo histórico na casa do Sr.Newton Diniz: - nunca a palavra “Deus” fora pronunciada como criador de nada. Sua mãe Ernestina, professora de educação física, pôs no mundo o primeiro filho Elio, depois a menina Eli, e Leila foi a caçula. Após o nascimento de Leila, sua mãe entra em depressão devido ao fim do casamento e se interna com tuberculose em Correias. A família se desintegra. Seus irmãos Elio e Eli, com cinco anos, são internados no colégio Batista na Tijuca, onde permaneceram seis meses sem receber visitas, e Leila vai morar com os avós no subúrbio.
É nesse contexto dramático que Leila sobrevive a tudo e a todos. Formou-se em magistério e foi ser professora do Jardim de infância no subúrbio carioca. Se houve uma influência intelectual em sua formação, podemos citar o livro “Liberdade sem medo” do pedagogo escocês Alexander Sutherland Neill. O autor acreditava que a felicidade era fundamental para o desenvolvimento das crianças e que essa felicidade tem origem num senso de liberdade das mesmas. Para ele, as escolas tradicionais privam de liberdade seus alunos e as consequências da infelicidade vivida pelas crianças reprimidas estão na origem da maioria dos problemas psicológicos da vida adulta. Ele sustentava que os jovens devem ser estimulados a aprender em um ambiente de liberdade e de responsabilidade.
Leila foi uma leitora fanática de Alexander Sutherland Neil e seu livro “Liberdade sem medo” era todo anotado por ela. Tentou colocar em prática o método desse polêmico pedagogo incutindo uma educação libertária no jardim de infância Papai Noel em Vila Isabel. Assim, Joaquim nos presenteia com revelações interessantes que vão nos aproximando de Leila.
Certa vez, Leila admitiu uma menina com Síndrome de Down no Jardim de Infância onde dava aulas. As diretoras pressionadas pelos pais que não queriam a criança pediram para que ela fosse desligada da escola. A menina saiu do colégio e Leila foi junto.
Ela perambula pelos bares de Copacabana e Ipanema e vai construindo aos poucos um currículo de realizações artísticas expressivas em sua curta carreira de 27 anos. Mas a sua grande contribuição, ela reservou para o comportamento feminino. Seu compromisso intransferível com a espontaneidade e a alegria, suas convicções de se locomover em direção ao prazer e à liberdade, tudo isso, fez com que um novo papel para a mulher na sociedade moderna fosse sendo construído, enfrentando não os moinhos de ventos, mas os costumes, sem gritar palavras de ordem, sem discursos articulados, sem colocar o homem fora desse projeto, mas o contrário disso, incluindo-o.
Leila Diniz, A Mulher de Ipanema, defensora do amor livre e do prazer sexual, será sempre lembrada como símbolo da revolução feminina, que rompeu conceitos e tabus por meio de suas idéias e atitudes.
Em um de seus momentos mais polêmicos, na célebre entrevista concedida ao Pasquim em 1969, com uma toalha amarrada na cabeça, ela “descasca” a sociedade e o governo militar com seu repertório recheados de palavrões, que eram substituídos por estrelinhas, e suas opiniões a respeito do sexo e comportamento. Foi a edição mais vendida da história do jornal. Essa entrevista incomodou tanto que o governo através do seu ministro da justiça instituiu o Decreto Leila Diniz para moralizar a sociedade dessa intrépida atriz “sem papas na língua”. Alfredo Buzaid - então ministro da Justiça – baixa um decreto em nome da moral e dos “bons costumes”.
Leila incomodava. A medida que o regime ficava mais nervoso e sufocante, suas oportunidades de trabalho começaram a ficar escassas.
As consequências disso? Criticada por todas as frentes, considerada ‘alienada’ pela esquerda e de ‘vagabunda’ pela direita, Leila foi afastada da TV Globo, porque no entender de Janete Clair não havia papéis de prostitutas nas novelas seguintes. Boni (o todo poderoso da Globo) dá uma versão diferente dos fatos, segundo ele, Leila quebrou contratos para trabalhar na TV Excelsior. Quem estará com a razão nessa contenda?
Um dos momentos gloriosos de Leila acontece no filme “Todas as Mulheres do Mundo”, de Domingos de Oliveira, é uma obra simplesmente genial, um dos filmes que considero mais importantes da cinematografia nacional de todos os tempos. “Todas as mulheres do mundo” é a declaração de amor mais arrebatadora feita no cinema a uma mulher – Leila Diniz. Uma comédia romântica de estética modernista, cuja produção surge no contra-fluxo da temática ideológica do cinema novo, sendo chamado de alienado pelos paladinos dos estetas engajados da crítica. “Todas as mulheres do mundo” tornou-se um sucesso arrebatador de público, conquista com méritos outros setores “menos nervosos” e leva os “Candangos” de melhor direção, diálogo e argumento (Domingos de Oliveira),melhor ator (Paulo José), melhor produtores (Luiz Carlos Pires), além da láurea máxima de melhor filme e uma menção honrosa para Leila Diniz, no festival de Brasília daquele ano.
Neste cenário de diversidade artística no Brasil, o filme de Domingos de Oliveira bebia na mesma fonte estética do cinema novo, ou seja, “câmera na mão e uma idéia na cabeça”, só que no filme de Domingos de Oliveira o indivíduo e seus afetos tornam-se o centro das atenções.
A linha mestra que conduz esta biografia está em sua vida polêmica e suas atitudes sempre firmes. O autor utiliza muitos depoimentos de pessoas próximas à atriz e uma preocupação em situar o leitor historicamente, o que facilita a leitura e evita que o leitor se perca.
A linguagem informal adotada por Joaquim Ferreira dos Santos, fazendo do livro uma conversa entre amigos, aproxima a leitura e nos permite fazer parte da vida de Leila. Conhecer sua revolução sem armas. Nunca se pensou que uma mulher de biquíni mudaria costumes. Viver intensamente e gozar de sua liberdade em todos os sentidos virou rotina em sua vida. Separar sexo do amor também. A felicidade e o prazer não eram algo distante, e sim obrigação.
O que foi impactante na década de 60 hoje é banal. O problema era ser Leila Diniz nos anos 60 e 70, em plena vigência da ditadura militar de um conservadorismo moral sufocante. Nesse sentido seu papel foi realmente revolucionário, pois ela ocupou a vanguarda da emancipação feminina no Brasil, levantando a bandeira da espontaneidade e da alegria contra o machismo mal humorado e reinante. Este papel simbólico-comportamental foi tão importante que quase esquecemos que ela fez muito mais. Foi perseguida e se escondeu na casa do apresentador de televisão Flávio Cavalcanti. Casa-se, em 1971, com o cineasta Ruy Guerra, grávida de oito meses exibe seu barrigão na praia de Ipanema e mais tarde se deixou fotografar amamentando.
Mas o livro sobre Leila Diniz tem muitos detalhes saborosos, e não pode se restringir a uma simples resenha. Ele tem de ser lido e admirado. Joaquim Ferreira dos Santos fez uma biografia que ficará e deve ir para sua estante.
E assim, todo dia 8 de março, Dia da Mulher – também será dia de Leila Diniz.