Inventores do Carnaval
Gosto de livros. Todos os assuntos me interessam. Sou um especialista em generalidades. O motivo disso é que eu sempre gostei de uma história bem contada. O livro “Inventores do Carnaval”, do jornalista Ronaldo Lemos, é o exemplo de uma pequena biografia dessa festa popular que de folclórica, diga-se de passagem, não tem nada. Não é uma tese antropológica sobre esse evento. É algo muito mais próximo que você, leitor, deve conhecer. Se você não conhece, o momento é agora.
Mesmo distante da festa propriamente dita, por uma questão de temperamento sempre acompanhei o carnaval pela televisão. Já fui daqueles que acompanharam desfiles pelo rádio. Em 1976, quando a Beija-Flor mostrou a que veio com o samba “Sonhar com Rei dá Leão”, lembro-me de ter acompanhado pelo rádio o desfile comentado pelo jornalista Carlos Eduardo Novaes. A empolgação era tanta que conseguia imaginar tudo aquilo que era narrado e comentado. Essas imagens mentais ficaram para sempre. E o resultado foi surpreendente para mim: Beija-Flor campeã daquele carnaval.
O livro começa narrando sobre Ismael Silva, compositor talentosíssimo e de grandes sucessos, dentre eles “Me Faz Carinhos”, comprado e gravado por Francisco Alves, o Rei da Voz, o samba “Antonico”, interpretado de forma magistral por nada mais nada menos que Gal Costa, e muitos outros. Em um depoimento gravado, Chico Buarque disse: “Ismael é a maior influência que eu tenho em toda a minha obra (...) é o meu verdadeiro pai musical.” O genial Ismael Silva, nascido em Niterói, na praia de Jurujuba em 1905, criou o conceito de Escola de Samba, “A Deixa Falar” no bairro do Estácio. O livro fala das transformações do bairro, que acontecem desde o período do prefeito Pereira Passos até os dias de hoje.
“O lugar parece destinado a servir de laboratório para experiências urbanas. Por isso, não parecia surpresa que esse Estácio mutante fosse também o berço de uma das maiores transformações na história da cultura brasileira: a invenção das escolas de samba. Como surgiu essa ideia? E o motivo? Bem, não serei desmancha prazeres. Você saberá quando ler o livro”. (pg. 32)
O segundo personagem memorável que Renato Lemos reconhece como um dos “Inventores do Carnaval” é Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. Mário Filho sempre teve seu nome ligado ao futebol. Foi ele que criou o mítico Fla x Flu. E as escolas de Samba acabaram sendo o prolongamento do futebol, ou seja, transformaram-se em Campeonato do Samba, que começou em 1932. Querem saber o resultado disso? Eu digo. Foi um sucesso. Em 1933, O Globo passou a organizar os desfiles que entraram para o calendário do Carnaval do Rio de Janeiro. Os inovadores do carnaval vão introduzindo elementos novos.
“Desde os primeiros desfiles, foram inúmeras as inovações experimentadas em cada carnaval, a partir do bumbum paticumbum de Ismael Silva que rompia com o samba maxixado do início do século passado. A segmentação da Escola em alas, atribuída a Paulo Portela, é uma delas. A comissão de frente, criada pelos lados do Império Serrano, outra. O negro como protagonista do enredo, criação de Fernando Pamplona para o Salgueiro no início da década de1960, mais uma. O laia-laia de Silas e, depois, Martinho, veio para ficar. Assim como a passista Paula do Salgueiro, o enredo cotidiano de Maria Augusta para União da Ilha, o luxo vertical de Joãozinho Trinta e a Praça da Apoteose de Darcy Ribeiro” (pg. 59)
Mário Filho não inventou o samba. Apenas tirou as agremiações de dentro do quintal e as fez desfilar nas ruas. E sempre teve a sensibilidade de que o carnaval precisava de uma passarela. Ele estava certo.
Outro personagem que teve seu nome gravado entre “Os Inventores do Samba” é Natalino José do Nascimento (conhecido como Natal da Portela), paulista de nascimento, mas carioca do subúrbio de Oswaldo Cruz, cuja casa ficava na esquina da Rua Joaquim Teixeira com a Estrada do Portela. Foi nessa casa que foi fundada a Portela, em 11 de abril de 1923. Sua importância no samba se deu a partir do seu envolvimento no jogo do bicho, onde teve uma ascensão fulminante, transformando-se num banqueiro. Sua relação próxima com a Portela fez com que outros agentes do jogo do bicho começassem a patrocinar outras escolas, como Castor de Andrade, patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel, Anísio Abraão David, atual patrono da Beija-Flor, e outros bicheiros igualmente famosos.
Natal acumulou um enorme respeito pelos títulos que conquistou para a sua escola querida. O mais comemorado deles, o tetracampeonato de 1960. Teve uma relação de amor e ódio com os integrantes da Portela. Essa é uma história que você, leitor, precisa conferir; é simplesmente um dos grandes momentos do livro. Mais um motivo para ler essa breve biografia do samba.
Todos sabem que, no futebol, antes de se bater um pênalti, alguns jogadores dão uma paradinha para deslocar o goleiro, não é mesmo? Ginga seria a palavra mais correta. Pois é, outro personagem mencionado no livro é, nada mais nada menos, o Mestre André da Mocidade Independente de Padre Miguel, a bateria nota 10. Seu nome é José Pereira da Silva, ponta esquerda do Independente Futebol Clube, time de pelada que virou bloco de carnaval. Ele transformou-se no maior inovador ao inventar a paradinha da bateria e arrancar da arquibancada gritos de “olé”. Mestre André foi considerado por muitos anos imbatível como o maior mestre de bateria do Brasil. Rodou o Brasil e o mundo com seus ritmistas. Vale a pena conhecer esse inovador.
Se o carnaval guarda certas semelhanças com o futebol, isso é correto. Você precisa conhecer outro personagem do mundo do samba, um mestre-sala que levita. Levita? Bem, Ana Maria Botafogo, primeira-bailarina do Teatro Municipal por mais de duas décadas, disse:
”Vendo Delegado dançar eu percebia com muita clareza que nem sempre há distinção entre a dança popular e a dança clássica: Delegado é um clássico”. (pg. 107)
Estão lembrados dele?, mestre-sala da Mangueira, conhecido como o Fred Astaire do Samba. Quer saber o motivo desse apelido? Não vou dizer. Leia e saiba mais sobre um dos maiores nomes das passarelas do carnaval.
Outro mito do samba mencionado por Renato Lemos vocês conhecem. E eu também conheço. Tive o privilégio de tomar algumas cervejas antes de um show realizado em Juiz de Fora junto com mestre Cartola e Nelson Cavaquinho, essas duas figuras de ponta no mundo do samba. Posso garantir a vocês que foi uma das maiores emoções da minha vida. E a maior emoção foi quando o mestre Cartola disse para mim que o clube do coração para o qual ele torcia era o Fluminense. Meu time. Preciso dizer mais alguma coisa?
Qual a razão de a Mangueira ser verde e rosa? Você sabe? Por que o fundador da escola mais popular do Rio de Janeiro escolheu essas cores?
Outro personagem que todos reverenciam, mesmos aqueles como eu, que nunca desfilaram na avenida mas se emocionaram com os seus desfiles, é João Jorge, conhecido como Joãosinho Trinta. Seu sonho era ser bailarino do Municipal. Conseguiu realizar o seu sonho, mas não como primeiro-bailarino. Sua participação estava restrita ao fundo do palco, sem direito a um solo. Pois bem, que ele sempre quis o brilho todos nós sabemos. Mas os caminhos para chegar a ser considerado um dos maiores inovadores do carnaval começavam a se esboçar. Começou no Salgueiro, ajudado por Fernando Pamplona. Mas seu nome sempre estará ligado à Beija-Flor.
Com sua formação clássica, queria inventar um carnaval operístico. Conseguiu realizar? Não tenho dúvidas que se nós todos puxarmos pela memória poderemos até concordar em tese. Mas Renato Lemos vai te dizer com muito mais propriedade do que eu.
Para finalizar, uma das inovações que o carnaval trouxe para as passarelas foi a rainha da bateria. Lanço um desafio a vocês. Quem foi a primeira rainha de bateria que alcançou um sucesso estrondoso? Aguardo a resposta nos comentários do blog.
“Inventores do Carnaval” de Renato Lemos é um livro delicioso. Para um livreiro, não há melhor carnaval em forma de livro. Um livro que merece um lugar na sua estante.