A Música de uma Vida
Conheci Andrei Makine no romance “A música de uma vida”. Não foi esse romance que impulsionou sua carreira. Mas confesso que se eu tivesse lido “O Testamento francês” obra que catapultou sua carreira recebendo simultaneamente o prêmio Gouncourt e Médices, provavelmente não teria curiosidade para ler “A música de uma vida.” Falo isso, pois, quando lemos uma grande obra de um grande escritor que fez um tremendo sucesso, a seguinte não vem com a mesma emoção. Este pensamento, admito, é uma imensa bobagem, sem sombra de dúvidas. Mas o livro “A música de uma Vida” é simplesmente maravilhoso. Um romance triste. Mas de uma delicadeza rara.
Andrei Makine nasceu na Sibéria e completou seus estudos em Moscou. Ele ensinava filologia em Novgorod. Fez seu doutorado em Letras na Universidade Estadual Lomonosov de Moscou depois de apresentar uma tese sobre literatura francesa. Em 1987, Andrei Makine mudou-se para Paris e pediu asilo político. Rejeitado várias vezes para conseguir a cidadania francesa, enfrentou todas as dificuldades de um exilado. Mas todo seu esforço foi compensado com juros e correção monetária. Foi o primeiro não francês a vencer o Prix Gouncourt.
Suas obras foram traduzidas em diversos idiomas. Sua habilidade em contar histórias para despertar o passado russo para leitores franceses provocou curiosidades enriquecedoras. Agora vamos ao mais importante. Vamos à história. A história que eu li. “A música de uma vida”. O romance começa quando o narrador embarca em uma viagem de trem a partir de uma pequena cidade de uma aldeia na Sibéria a Moscou no início dos anos 70. Ele conhece um idoso Andrei Berg, um pianista preparado para ser um profissional. Mas alguns percalços acontecem em sua vida. E todas eles vinculadas ao momento político de terror na União Soviética. Ao longo da viagem ele conta para o narrador o que lhe aconteceu.
“Antes, nos cartazes, ele procurava o nome do pai, dramaturgo, e também de quando em quando de Victória Berg, sua mãe, quando ela dava recitais. Naquele dia, pela primeira vez, o nome era o dele. Seu primeiro concerto, dali a uma semana, no dia 24 de maio de 1941.” (pg. 25)
Quando tudo parecia andar de acordo com os acontecimentos, algo surpreendente nos pega de surpresa. Um vizinho vai, com passos apressados, a seu encontro e sussurra as seguintes palavras: “Não volte para a casa”. E apressou o passo como se não o conhecesse. Todo aquele momento causou perplexidade ao jovem Andrei Berg. Vou ou não vou? Volto para a casa ou não volto? E, na medida em que a situação se tornava tensa nas imediações de sua casa, não teve dúvidas. Fugiu. Andrei Berg se auto inventou. Adotou um nome que não era seu, de um soldado soviético morto a fim de escapar das perseguições tanto das forças internas como dos nazistas. Sua autobiografia nos relata os rigores da guerra.
Uma orquestra totalmente diferente de obuses e artilharia, bombardeios se apresentam a seus ouvidos. Mortos, feridos e toda a gama de crueldades que uma guerra pode oferecer. Um rosto cheio de cicatrizes, a memória da música de Rachmaninoff, o "inferno de neve" das estepes russas, e um relato vívido das crueldades da guerra é o que lhe sobra. Ele sobrevive nas forças armadas por imitar os outros e por golpes de sorte. O concerto que não aconteceu por causa de uma senhora chamada “destino” marcou sua vida para sempre. Um elogio da força indomável do espírito, a força interior, da dignidade dos vencidos.
O resultado dessa história fascinante é a simbiose dos mitos originais sobre a Rússia, que não surgem em um aspecto histórico ou metafísica concreto, mas acima de tudo, como um espaço literário.
“A música de uma vida” é um romance rápido. Não vá pensando que o escrito aqui mata a história. Não mata mesmo. Tenho um cuidado com aqueles que aportam por aqui, nesse espaço a revelar apenas o revelável, e só. “A música da vida” fala sobre o sentimento de abandono e desamparo, fala sobre solidão e morte. Andrei Berg é movido pela imaterialidade da música, sua transformação em melodia, em ritmo puro, o protagonista não vê a vida, apenas ouve. Ao ouvi-las nascem todas as revelações. “A música de uma vida” é um livro que levará você, leitor, a nunca mais se esquecer de Andrei Berg. Um livro que merece um lugar especial em sua estante.