A fera na selva
"A fera na selva” é uma das melhores obras de Henry James. Tornou-se um clássico, uma preciosidade literária que trás na essência de seus personagens, a possibilidade de adaptação para nossos dias, tempos repletos de expectativas, possibilidades e desencontros. E foi por esse viés que resolvi retirar esta obra da estante e apresentá-la aos que ainda a desconhecem. Mas sempre há tempo para ler um bom livro.
O livro é fino, de acordo com a edição, terá aproximadamente umas 90 páginas. Mas não se engane, ele é denso. Narrada em terceira pessoa, a história é contada sem aparentes pretensões e os personagens e elementos psicológicos apresentados com a simplicidade característica da vida, porém, quando percebemos, estamos rendidos e também à procura da “fera” que atormenta a existência de John, o protagonista, e que também pode nos dizimar.
Estamos no início do século passado. Passeios são realizados em parques, almoços agendados com toda a pomba e circunstância e as pessoas se encontram num ritmo ditado pelo passar das horas, onde pensamentos, acontecimentos e posturas sociais vão se sobrepondo em camadas até que uma rotina seja construída, numa cadência diferente de nossos tempos moldados por smarthphones, redes sociais e postagens digitais.
Desta forma, somos apresentados na primeira página a John Marcher e May Bartram. Ambos se encontram num eventual almoço e são apresentados. A partir deste encontro, a vida de John e May seguirá o curso de uma amizade próxima e nós os acompanharemos. Estamos diante de uma história fascinante e terrível. Não como um filme de terror, mas uma romance psicológico que mostra a capacidade humana de perder o melhor de si e do outro.
Sobre a “fera” que atormenta John, que ele sente estar sempre a sua espreita, pronta e disposta a devorá-lo, talvez, cada um tenha a sua e, assim como John, estejamos tão envolvidos por ela, tão inebriados pela certeza de sua existência que não sejamos capazes de olhar ao redor e nos salvar de nós mesmos.
Desde pequeno, ele sabe que algo está prestes a acontecer. Solitário em sua angústia, ele não divide seu segredo com mais ninguém, a fim de evitar que outros também se preocupem , mas May sempre soube. De uma forma doce e condescendente, ela guarda aquele segredo, compartilha sua experiência e ajuda John a conviver com a eterna expectativa de que algo irá acontecer, “algo de extraordinário”. Os anos passam, a idade se instala, ambos não se casam, pois de alguma forma, suas vidas tão entrelaçadas não teriam espaço, nem interesse, para que outros fizessem parte daquela amizade.
A fera continuou a espreita. Com a idade, May falece e John, solitário, viaja pelo mundo. Mas faz do túmulo de May o único lugar no qual ainda se sente seguro e acolhido. Mas Henry James nos presenteia com um final dramático, encerrando este romance de forma brilhante e inesquecível, transcrevo as últimas linhas dessa obra magistral que me deixou sem ar quando a li, e sempre me impacta a cada releitura:
Mas o amargor de repente lhe causou náusea, e foi como se ele visse com horror, na crua verdade, na crueldade de sua própria imagem, tudo que havia sido designado e cumprido. Viu a Selva de sua vida e a Fera à espreita; então, enquanto olhava percebeu, como que por uma vibração no ar que ela se erguia, enorme, horrenda, para o salto que o aniquilaria. Seus olhos se turvaram – a Fera estava perto; e virando-se instintivamente em sua alucinação, para evitá-la, tombou sobre o túmulo.
Corra para a primeira livraria, compre e leia.
A "Fera" está a sua espera.
Um pouco sobre Henry James e sua obra
Escritor, dramaturgo, ensaísta e crítico, Henry James figura entre os mais influentes autores da virada do século XIX. Nascido em Nova York em 1843, ele e seus irmãos receberam uma educação cosmopolita. Em 1869, abandona os EUA por uma Europa que respirava cultura. Passando por Londres, Paris e Roma, James se sentiu como um espectador da própria vida, e seus primeiros trabalhos publicados relatam essa experiência: Roderick Hudson (1875), sua primeira novela, aborda o fracasso de um escultor americano em Roma. The American (1877) e The Europeans (1878), por sua vez, como os títulos sugerem, enfocam as diferenças entre os dois continentes. Atraído pelo clima intelectual e social de Paris, passou um ano na cidade, onde teve a oportunidade de conhecer Flaubert e Turguêniev. Em 1876 se estabeleceu em Londres, fazendo da cidade sua casa pelos próximos vinte anos.
Já na Inglaterra, escreveu algumas das suas melhores obras, incluindo Daisy Miller (1879) que, publicada inicialmente em 1878 na The Cornhill Magazine, transformou-o no sucesso do momento em Londres. Foi o primeiro trabalho com o qual obteve grande popularidade, e o primeiro de seus grandes retratos da mulher americana. Nesse período escreveu também Retrato de uma senhora (The Portrait of a Lady, 1882), The Bostonians (1886) e The Princess Casamassima (1886), consagrando-se no gênero novela como precursor da moderna ficção pela utilização do flashback e pela narração indireta.
Após essa primeira fase marcadamente realista, Henry James se aprofundou na literatura de caráter psicológico. Além de se destacar como autor de narrativas longas e curtas (escreveu cerca de cem contos), também se dedicou à dramaturgia, experiência negativa pela qual chegou a ser vaiado na estréia da sua peça Guy Domville, em 1895. Após esse episódio, decidiu retornar à ficção, produzindo Pelos olhos de Maisie (What Maisie Knew, 1897), A volta do parafuso (The Turn of the Screw, 1898), The Awkward Age (1899), As asas da pomba (The Wings of The Dove, 1902); A fera na selva ( The beast in the jungle,1903) e A taça de ouro (The Golden Bowl, 1904).
Henry James permaneceu em Londres até o final dos anos 1890, quando se mudou para Rye, uma pequena cidade no topo de uma colina, em Sussex. Popular entre os intelectuais de Londres, o autor também era muito estimado por jovens escritores. Sua admiração pela Inglaterra e por tudo que fosse inglês contribuíram para que ele se naturalizasse cidadão britânico em 1915, após o início da Primeira Guerra Mundial, sendo posteriormente condecorado com a Ordem do Mérito. Henry James morreu em 1916, em decorrência de um derrame.
Fonte: Editora LP&M
Texto/Colaborador(a): Paula Dias