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Tesmoforiantes

Quando terminei de ler “Tesmoforiantes”, de Aristófanes, a pergunta que me veio foi: se essa peça tivesse sido escrita nos dias de hoje, qual seria a reação politicamente correta da crítica? Muitos foram cancelados ou quase cancelados, como foi o caso de J.K. Rowling ao afirmar que “mulheres trans não são mulheres”. “Tesmoforiantes” é uma comédia que emprega o que chamaríamos de “misoginia” grotesca como um recurso cômico. É uma sátira complexa. Aristófanes usa a linguagem e os estereótipos da comédia misógina da época para criar o humor, mas ele o emprega no contexto de um enredo em que empodera as mulheres o suficiente para confrontar e vencer a figura literária mais misógina de seu tempo, na opinião dele

A peça é menos um ataque direto às mulheres e mais um ataque metateatral, ou seja, Aristófanes faz uma paródia das tragédias de Eurípedes, não apenas como elemento cômico, mas também para criticar o estilo e as suas convenções dramáticas do seu contemporâneo Eurípedes. Aristófanes o satirizava, pois Eurípedes tornou-se famoso por trazer o drama do céu e da terra. Ele retratava os heróis não como figuras ideais, mas como seres falíveis. A principal razão pela qual Aristófanes satirizava Eurípides era a revolução que o dramaturgo introduziu na tragédia, especialmente por meio de figuras femininas complexas e vingativas, como Hécuba e Medeia.

Mas o que isso tem a ver com a peça em questão? Em “Tesmoforiantes”, o foco temático recai justamente sobre a crítica à misoginia atribuída a Eurípides. Suas tragédias, como “Hécuba” (já resenhada aqui no site), apresentam algumas das personagens femininas mais sombrias e vingativas de sua obra.

A desolação, a angústia de todos os sofrimentos culminam em uma tamanha desesperança para todos os personagens envolvidos em “Hecuba. Ela evolui de uma figura de imenso sofrimento para uma personagem movida por um desejo insaciável de vingança, o que a leva a ações extremas e a torna complexa. Ela planeja e executa uma vingança brutal contra Polimestor, cegando-o e matando seus filhos. Uma justiça primitiva, que revela a degeneração de uma pessoa sob condições extremas do trauma da guerra.

“Medeia” (peça já resenhada aqui no site) é uma mulher de comportamento e emoções extremas, e a traição de Jasão transformou sua paixão em fúria e destruição desenfreada. Medeia, que é a mestra da inteligência e da manipulação, sabe explorar as fraquezas tanto de seus inimigos como de seus amigos. A relação dela com o Coro é de fascínio e horror. O coro a condena e ao mesmo tempo a admira, pois, ao matar seus filhos com Jasão, ela vinga todos os crimes cometidos contra todas as mulheres.

O sofrimento de Medeia não a enobrece; antes, a converte em um monstro. Orgulhosa, astuta e implacavelmente eficiente, ela se mostra incapaz de conceder qualquer tipo de vitória aos seus inimigos. Medeia enxerga com lucidez a falsa piedade e os valores hipócritas de seus adversários, usando a própria falência moral deles como arma. Sua vingança culmina no assassinato dos filhos que teve com Jasão, pois ela não suporta a ideia de vê-los submetidos ao poder de seus inimigos.

“Alceste”, de Eurípedes (também já resenhada aqui), narra o sacrifício da princesa Alceste, que morre em troca da vida de seu marido, o rei Admeto. Condenado à morte, ele consegue um acordo com o deus Apolo para que ele não morra se outra pessoa aceitar morrer em seu lugar. Ninguém se dispõe a fazer isso, mesmo seus pais. Alceste aceita. Em seu leito de morte, ela implora para Admeto que nunca se case novamente após sua morte, que não permita que uma madrasta cruel e ressentida tome posse de seus filhos e que jamais a esqueça. Admeto concorda com tudo. Em retribuição ao sacrifício da esposa, irá se abster das festividades habituais de sua casa. Alceste, Satisfeita, morre. A tragédia termina graças a Hércules, que luta contra Tânatos (a morte) e traz uma mulher velada que a oferece a Admeto como a sua nova esposa. Admeto recusa, declarando que não pode violar a memória de Alceste. Mas descobre que Alceste está viva. Ela fica impossibilitada de falar por três dias, após os quais será purificada e completamente restaurada à vida, e a peça termina com o Coro agradecendo a Hercules por encontrar uma solução que ninguém havia previsto.

Nesta peça, Alceste é apresentada como uma figura de grande força moral e heroísmo, ainda que, à primeira vista, possa ser percebida como frágil por seguir os códigos da sociedade grega antiga. Ela não teme a morte; ao contrário, escolhe morrer para preservar a vida do marido. Seu gesto, profundamente altruísta e sacrificial, é interpretado como a expressão máxima do heroísmo feminino.

Em “As Bacantes”, de Eurípides (também resenhada aqui), sabemos que Dionísio nasceu em circunstâncias complicadas. Sêmele engravidou de Zeus, rei dos deuses, e Hera, furiosa com a traição do marido, convenceu-a a exigir que Zeus se revelasse em sua verdadeira forma. Ao aparecer como raio, Zeus a matou instantaneamente. No entanto, no momento de sua morte, ele salvou o filho ainda no útero, ocultando-o de Hera ao costurá-lo em sua própria coxa, onde permaneceu até estar pronto para nascer.

A família de Sêmele, especialmente a sua irmã Agave, jamais acreditou em sua história sobre uma criança divina, convencida de que Sêmele havia morrido em decorrência de suas mentiras blasfemas sobre a identidade do pai do bebê. Consequentemente, o jovem deus Dionísio sempre foi rejeitado em sua própria casa. Dionísio viaja por toda a Ásia reunindo adoradoras (as Bacantes, que compõem o Coro da peça) e retorna a Tebas, seu local de nascimento, para se vingar de Cadmo por sua recusa a adorá-lo e para vingar sua mãe, Sêmele.

Dionísio leva as mulheres de Tebas, incluindo suas tias Agave, Autônoe e Ino, a um êxtase frenético, fazendo-as dançar e caçar no Monte Citerão. (Essas mulheres são conhecidas como Mênades, em oposição às Bacantes, que são seguidoras voluntárias de Dionísio vindas da Ásia.) O jovem idealista rei Penteu (filho de Ágave e primo de Dionísio) proíbe o culto dionisíaco, ordenando a seus soldados que prendam qualquer um que esteja praticando ritos dionisíacos. Ele considera a loucura feminina como apenas uma bebedeira para escapar das leis tebanas.

Um pastor traz a notícia do Monte Citerão dizendo que as Mênades são capazes de realizar coisas incríveis. Penteu fica ansioso para ver as mulheres em êxtase, e Dionísio, tentando humilhá-lo e puni-lo, convence o rei a se vestir como uma Mênade para evitar ser descoberto e ir ele mesmo ao rito. Um mensageiro ajuda Penteu a subir em uma árvore para ter uma visão melhor das Mênades, e ao mesmo tempo esse mesmo mensageiro alerta as Mênades sobre a presença de um intruso.

Enfurecidas com a intrusão, derrubam Penteu, que estava preso na árvore, e despedaçam seu corpo, pedaço a pedaço. A mãe de Penteu. ainda possuída pelo êxtase dionisíaco, retorna ao palácio carregando a cabeça do seu próprio filho, como um troféu de caça, ao seu pai, Cadmo, que fica horrorizado. Mas, à medida que a possessão dionisíaca começa a perder o seu efeito. Agave lentamente percebe, com horror, que matara o seu próprio filho.

Até mesmo as Bacantes se compadecem da vítima de Dionísio e olham para Cadmo e Agave com compaixão. O velho profeta cego Tirésias é o único que não sofre, por seus esforços em persuadir Penteu a adorar Dionísio.

Outra peça já resenhada aqui, “Lisístrata” (A Guerra dos Sexos), guarda certa semelhança com “Tesmoforiantes”. Em ambas, há uma reunião de mulheres que se unem em torno de um objetivo comum. Em “Lisístrata”, a assembleia — que inclui até mesmo as inimigas espartanas — é convocada para organizar uma greve sexual. No campo de batalha, espartanos e atenienses entram em desespero ao perceberem o impacto da abstinência. Diante dessa “catástrofe” erótica, ambos os lados são obrigados a sentar à mesa de negociação para encerrar a guerra. As mulheres, por sua vez, ocupam a Acrópole para pressionar seus maridos a pôr fim ao conflito e restaurar a paz.

Bem, antes de tudo devo dizer que não sou um especialista em teatro grego, sou um entusiasta. Meus estudos não obedecem a nenhum propósito acadêmico. Apenas gosto, e muito, de textos teatrais, e os gregos aqui no meu site sempre mereceram um lugar de “honra” na minha estante. E gosto de compartilhar minhas leituras com vocês, e o teatro grego é uma dessas leituras.

Para começar falando sobre a peça em questão, “Tesmoforiantes”, de Aristófanes, era preciso falar de Eurípedes, pois essa peça o menciona. Aliás, mais do que isso, Eurípedes é um personagem da peça.

As Tesmofórias eram um festival de três dias realizado em honra da deusa Deméter e sua filha Perséfone. Ambas são figuras da mitologia grega: Deméter era a deusa da agricultura e das colheitas, enquanto Peséfones, sua filha, se tornou rainha do submundo (Hades) e deusa da primavera. A relação delas é fundamental, pois ajuda a explicar as estações do ano. Deméter ficou desolada quando Hades raptou Perséfones, parando de fazer terras férteis, e o mundo entrou em um inverno prolongado. Zeus interveio e estabeleceu que Perséfone passaria parte do ano com a sua mãe (primavera e verão) e outra parte com Hades (outono e inverno).

Esse festival era restrito apenas a mulheres adultas. Na peça de Aristófanes, indignadas com a representação desfavorável que recebem nas tragédias de Eurípedes, as mulheres atenienses usam esse festival como uma oportunidade para arquitetar um plano de vingança contra Eurípedes. Mas o tragediógrafo em questão, Eurípedes, descobre o plano e, com a ajuda de seu parente, pede a Agatão (um poeta trágico ateniense que de fato existiu e se destacou na Atenas Antiga, sendo famoso por sua participação no diálogo “o Banquete de Platão” e na peça de Aristófanes), que na peça tem traços afeminados, que ele se infiltre no festival e defenda sua causa.

“Parente: E como? Já que agora nem os tribunais vão julgar, nem há assembleias do conselho? Uma vez que estamos no meio das Tesmofórias.

Eurípedes: É por isso mesmo que espero morrer, pois as mulheres conspiraram contra mim e no Tesmofórion devem se reunir hoje em assembleias em vista da minha morte.

Parente: E por quê?

Eurípedes: Porque delas faço tragédias e falo mal.

Parente: Por Poseidon, tu sofrerias com justiça. Mas tu tens algum ardil para sair dessa?

Eurípedes: Agatão vou persuadir, o tragediógrafo a ir no templo das Tesmofórias

Parente: Para fazer o quê? Conta-me.

Euripedes: Para se reunir com as mulheres e, se for preciso falar a meu favor.

Parente: as claras ou secretamente?

Eurípedes: secretamente vestido com roupa de mulher

 Parente: A coisa é engenhosa e muito do teu estilo; pois com esse artifício o bolo será nosso.

Parente: O que é?

Eurípedes: Agatão está saindo

Parente:  E onde está?

Eurípedes: Onde está? Está rolando para fora.

Parente: Mas será que estou cego? Pois não vejo homem nenhum ali, mas vejo Cirene.

Eurípedes: Cala-te, pois ele se prepara para cantar. (pág. 45; pág. 46)

 

Eurípedes pede a Agatão:

 

“Agatão: Em que podemos te ser úteis?

 Eurípedes: Em tudo. Pois se sentares às ocultas entre as mulheres, de modo que pareceres ser mulher, e me defenderes, evidentemente irás me salvar. Pois somente tu falarias de modo digno de mim.

Agatão: Então por que tu mesmo não te defendes te apresentando?

Eurípedes: Eu te direi. Primeiro sou conhecido; depois sou grisalho e tenho barba, mas tu tens bela face, és branco, barbeado, tens voz de mulher, és delicado, belo de ver.

Agatão: Eurípedes...

Eurípedes: O que é?

 Agatão: Tu compuseste um dia.

“Tu te alegras vendo a luz, achas que teu pai te alegra?

Eurípedes: Compus mesmo

Agatão: Não esperas agora o teu mal nós suportemos. Pois também seríamos loucos. Mas suporta tu mesmo o que é próprio. Pois as desgraças não são justas suportá-las com artifício, mas com passividade.

Parente: E tu, o pervertido, és um arrombado não com palavras, mas com passividade

Eurípedes: O que é que temes ao ir lá?

Agatão: De forma pior eu pereceria que tu.

Eurípedes: Como?

Agatão: Como? Parecendo das mulheres as obras noturnas roubar e arrebatar a Cipris feminina.

Parente: Vejam isso, roubar, por Zeus, trepar, na verdade. Mas o pretexto é justo, por Zeus.

Eurípedes: E então fará isso?

Agatão: não contes com isso.” (pág. 51; pág. 52)

 

Com a recusa de Agatão, o plano de Eurípedes se modifica. Mnesíloco (o Parente) se propõe a ajudar Eurípedes. Como? Disfarçado de mulher. Para isso ele pede a Agatão uma ajuda.

 “Eurípedes: Agatão, já que recusas te oferecer, então empresta-nos um manto e um corpete para este aí; pois não vais dizer que não tens tais coisas.

Agatão: Tomai e usai; não nego

Parente: O que pego então?

Eurípedes: O quê? Pega primeiro o manto açafrão e veste-o

Parente: Sim, por Afrodite, que cheiro doce de vareta. Ajuda-me apertando. Vamos agora o corpete.

Eurípedes: Eis aí.

Parente: Vamos, arruma, então, o manto em torno das pernas.

Eurípedes Faltam uma rendinha e um turbante

Agatão: Esta, então põe em torno da cabeça, a que uso a noite.

Eurípedes: Por Zeus, mas é muito adequada.

Parente: Pareço bem então?

Eurípedes: Por Zeus, está o melhor. Passa um vestido.

Agatão: Pega-o sobre a cama

Eurípedes: Faltam os sapatos.

Agatão: Toma estes meus

Parentes: Pareço bem? Tu não gostas de mantê-los largos.

Agatão: Tu sabes isso. Mas já tens o que precisas, para dentro o mais rápido role-me.

Eurípedes: Homem eis o nosso e também mulher pela aparência. Se falares, faz com que a voz efeminizes com beleza e convenientemente.

Parente: Tentarei

Eurípedes: Caminha então

Parente: Não por Apolo, se não me jurares.

Eurípedes: O quê?

 Parente:  Que irás me socorrer, por todos os meios, se eu cair em algum mal

Eurípedes: Juro, então, pelo teu éter, palácio de Zeus

Parente: Por que não, de preferência, pela casa de Hipócrates?

Eurípedes: Juro, então, por todos os deuses, sem exceção

Parente: Lembra-te, então disto, que a alma jurou, mas a língua não jurou, nem eu fiz o juramento.

Eurípedes: Deixa disso. Despede-te logo, que da assembleia o sinal de Tesmofórium mostra-se. Eu vou me embora.” (pág. 57; pág. 58; pág. 59)

 

No interior das Tesmofórias as mulheres entram lentamente. Mnesiloco (Parente) se mistura entre as mulheres. A Primeira Mulher fala:

 “Primeira Mulher: Não foi por ambição minha, pelas duas deusas, que me levantei para falar, ó mulheres; pobre de mim, há muito tempo suporto forçosamente ver que somos ultrajadas por Eurípedes, filho da vendedora de legumes, e ouvir muitas maldades, de toda espécie. Pois da qual injúria ele nos cobre? E, quando não nos calunia, por poucos que sejam os espectadores, os atores e coros, as levianas, as apaixonadas por homens nos chama, as bebedoras de vinhos, as traidoras, as tagarelas, as sem valor, a grande desgraça dos maridos? De modo que saem do teatro olham-nos com desconfiança e logo procuram se há algum amante escondido em casa. Mas não podemos fazer nada do que fazíamos antes, tais foram as maldades que este ensinou aos nossos maridos, se uma mulher trança uma coroa, julga-a apaixonada, se quebra algum utensilio no vaivém da casa o marido pergunta: por quem quebraste a janela? Não há como não ser hospede coríntio. Se uma moça adoece, logo o irmão diz: “a cor dessa jovem não me agrada”. Pois bem. Uma mulher privada de filhos quer um suposto, nem isso pode ocultar. Pois os maridos agora estão muito próximos; diante dos velhos que antes casavam com a jovens, caluniam-nos, que nenhum velho quer casar com mulher por causa deste verso. Pois do velho que desposa, a mulher é a dona. Então, por isso, nos aposentos das mulheres põem agora lacre e ferrolhos, para nos guardar, e além disso cães molossos criam espantalhos para os amantes. E, isso ainda é perdoado, mas o que fazíamos antes de nós mesmas administrar a casa e ir a despensa buscar farinha, azeite, vinho, nem isso mais é permitido. Pois os homens mesmos agora portam chavinhas secretas, as mais malvadas umas lacônias, de três dentes. Antes, então, era possível abrir a porta mandando fazer um anel por três óbulos; mas agora este Eurípedes, a ruína dos lares, ensinou-lhes a portar pequenos sinetes carcomidos pendurado neles. Então, por isso, parece-me que devemos maquinar a sua ruína de qualquer maneira, ou por venenos ou outro meio para que morra. Isso eu falo em público, o restante redigirei com a secretária.” (pág. 63; pág. 64; pág. 65)

 

Uma segunda mulher fala e conta como seu negócio foi arruinado por causa de Eurípedes. Vamos ler o que ela diz:

“Segunda mulher: E eu aproximo para poucas palavras. Pois as outras coisas ela já expôs bem, mas o que sofri, isso quero dizer. É que meu marido morreu em Chipre deixando cinco filhos pequenos, que duramente sustentava meio mal; mas agora este que faz tragédias persuadiu os homens de que não há deuses; a ponto de não vendermos nem a metade. Então a todos eu aconselho e digo para castigar este homem por muitas razões pois males selvagens nos faz, ó mulheres, como hortaliças selvagens foi criado. Mas vou para ágora, pois devo entrançar vinte coroas encomendadas para uns homens.” (pág. 65; pág. 66)

Parente (Mnesíloco), disfarçado de mulher, tomou a palavra e afirmou que também estava irritado com Eurípedes:

“Parente: O fato de vocês mulheres, estarem tão irritadas com Eurípedes, depois de ouvirem essas maldades não é surpresa, nem de estarem fervendo de ódio. Quanto a mim – assim eu possa usufruir dos filhos – no entanto, é preciso que nos expliquemos entre nós; pois estamos sozinhas e nenhuma sairá daqui. O que temos para acusar aquele sujeito e suportarmos dificilmente, se duas ou três maldades, aquela, então, a mais terrível, quando casada, há três dias e meu marido dormia junto a mim. Eu tinha um amante que tinha me deflorado aos sete anos. Este pelo desejo, tinha vindo roçar à minha porta. Logo compreendi, então, desci da cama devagarinho. Mas meu marido perguntou: “Para onde desce? Aonde vais? “Sinto cólica na barriga, ó marido mal; então eu vou ao banheiro”. “Então vai”. Daí ele me esmagava grãos de zimbro, endro e sálvia. Eu joguei água entre os ferrolhos e fui encontrar o amante, depois apoiei-me perto do altar de Agieu, curvando-me encostada ao loureiro. Isto jamais Eurípedes disse, vejam vocês! Nem que trepamos com escravos e muleiros, quando não temos outro ele não disse; quando em trepadas mais longas com um qualquer à noite, pela manhã mastigamos alho, para que o cheiro, o marido vindo da guarda, não suspeite de que agimos mal. Isto, vês, ele jamais ele disse. E, se insulta Fedra o que tem a ver conosco? Ele contou aquele caso que uma mulher mostrando um vestido ao marido para vê-la sob a luz do dia, fez escapar o amante escondido? Não disse também. E eu sei de outra mulher que dizia ter dores hás dez dias, enquanto comprava um filho. E o marido a dar voltas para comprar algo para apressar o parto; mas uma velha que o trouxe fez sinal , logo ele grita: “Afasta-te, pois me parece, ó marido, que vou partir”. É que a criança chutou o ventre da panela. E ele se pôs a correr alegre, e ela arrancou a cera da boca do menino, que começou a gritar”.

“...Sim por Ártemis fazemos. E depois nos irritamos contra Eurípedes., nada sofremos mais do que cometemos” (pág. 66; pág. 67; pág. 68)

 

 

Quando Parente (Mnesíloco), disfarçado de mulher, termina de falar, todas as mulheres começam a se manifestar, a começar pelo coro, que o chama de atrevida e perversa. A primeira das mulheres sente-se ultrajada e propõe que ele seja castigado.

Para piorar, Parente ainda diz:

 Parente: Pois eu sei a razão disso. Não se poderia citar uma Penélope entre as mulheres de hoje, todas sem exceção são Fedras. (pág. 69)

O bate-boca continuava. Um confronto que fugia às intenções da assembleia alcançava níveis preocupantes. Quando chegou o ateniense Clístenes, vestido de mulher. Entra ofegante informando a todos o seguinte:

“Clístenes: Dizem que Eurípedes enviou hoje aqui um parente dele, um homem velho.

Coro: Para fazer o que ou que que intenção?

Clístenes: Para que fosse um espião dos seus discursos nas coisas que vocês decidissem e estivessem prestes a fazer.

Coro: E como não é percebido, sendo um homem entre as mulheres” (pág. 72)

Clístenes se propôs a ajudá-las a encontrar o infiltrado. Parente (Mnesíloco) fingiu-se de inocente. Um interrogatório é feito. Seu disfarce acaba sendo descoberto. Seu disfarce acabou sendo descoberto. Acabou sendo despido. Clístenes partiu imediatamente para informar o conselho da cidade:

 “Clístenes: Vigiem-no bem, para que não vá se fugindo e eu informarei os prítanes sobre essas coisas.” (pág. 77)

A situação estava chegando ao limite quando Parente agarra no que acredita ser um bebê e o ameaça, exigindo que deixe ir embora. No entanto, percebe que não se tratava de um bebê, mas de um novelo de linho. Desesperado, aguarda que Eurípedes apareça para salvá-lo.

Subitamente, Parente (Mnesíloco) assume a identidade de Helena de Troia, esposa do rei Menelau.

“Parente: Helena fui chamada

Segunda mulher: Já te torna mulher de novo, antes de ser castigada pelo outro disfarce feminino?

Parente: Muitas almas por mim pereceram nas correntes do Escamandro.

Segunda mulher: Tu devias ter morrido também

Parente: E eu estou aqui. Eu e meu infeliz esposo Menelau de modo nenhum se aproxima. Por que , então, ainda vivo?

Segunda Mulher: Por maldade dos corvos

 Parente: Mas algo vem para afagar meu coração; não me enganes, ó Zeus com a esperança que vem.” (pág. 88)

 

No meio desse impasse, chega Eurípides vestido de Rei Menelau perguntando:

“Eurípedes: A que país aportamos no navio?

Parente: Egito

Eurípedes: Ó miserável até onde navegamos!

Segunda mulher: Crês em algo neste patife, que pereça de modo ruim que diz lorotas? Este é o Tesmofórion.” (pág. 89)

 

Parente (Mnesíloco), disfarçado de Helena, tenta de qualquer forma resolver a sua situação, e é aí que a comédia entra:

“Parente: Fala quanto quiseres. Pois nunca casarei com teu irmão, traindo Menelau, o meu esposo.

Eurípedes: Mulher o que disseste? Vira-te e olha-me nos olhos

Parente: Tenho vergonha de ti, por ter sido ultrajadas nas faces.

Eurípedes: O que é isto? Estou sem fala. Ó deuses que visão tenho? Quem és mulher?

 Parente: E tu quem és? Pois te digo o mesmo.

Eurípedes: És uma mulher grega, ou deste país?

Parente: Grega. Mas quanto a ti também quer saber

Eurípedes: Vejo-te muito semelhante a helena, mulher.

Parente: Eu te vejo a Menelau, pelo menos quanto a lavandas

Eurípedes: Então, reconheceste bem um homem desafortunado

Parente: Ó vieste, tardio aos braseiros de tua esposa, toma-me, toma-me., esposo, abraça-me. Vamos , vou beijar-te. Leva-me, leva-me tornando-me rápido.

Segunda mulher: Há de chorar, pelas duas deusas, quem te levar, sendo queimado por uma tocha

Eurípedes: Tu queres me impedir de a minha esposa, a filha de Tíndaro, conduzir a  Esparta?

Segunda mulher: Parece-me ser u um trapaceiro e um conselheiro deste. Não é à toa que há muito falam do Egito. Mas ele será castigado; pois para prítane aproxima-se o arqueiro

Eurípedes: Isto é ruim. Então devo sair de mansinho.

 Parente: E, infeliz de mim, o que faço?

Eurípedes: Fica tranquilo. Pois jamais hei de trair, enquanto respirar, se não me faltarem os inúmeros artifícios

Parente: Tal linha não pescou coisa alguma. (pág. 91; pág. 92)

 

Parente encontra-se em uma posição desesperadora com a chegada do Arqueiro que manda ele calar a boca. Assim que ele se retira, Eurípedes reaparece, agora vestido de Perseu, outro personagem de uma de suas peças. E Parente (Mnesíloco) torna-se, na verdade, Andrômeda, filha de Cefeu:

“Eurípedes: Salve ó querida criança, mas teu pai Cefeu que te expôs, que os deuses o destruam!

Parente: E quem és tu que te apiedaste de meu sofrimento?

Eurípedes: Eco, que repete por troça o que se fala, que, no ano passado, neste mesmo lugar eu mesmo ajudei Eurípedes a concorrer. Mas, ó filha deves fazer o teu papel, chorar lamentavelmente.

Parente: E tu choraras por mim.

Eurípedes: Cuidarei disso. Mas começa a falar.

 Parente: Ó noite sagrada, que longa cavalgadas percorrer a estrelada abóboda conduzindo teu carro do éter sagrado por meio do majestoso Olimpo.

Eurípedes: Olimpo. (pág. 98)

 

Eurípedes e o Arqueiro têm uma conversa áspera, e o Arqueiro ameaça Eurípedes com chicote. Ele se retira. Eurípedes implora pela libertação de Parente (Mnesíloc) com o Coro e diz:

 

“Eurípedes: Mulheres, se querem daqui para a frente fazer as pazes comigo é agora, depois  disso, não mais ouvirão de mim nada de mal para o futuro. Eu o proclamo.” (pág. 105)

Eurípedes implora pela libertação de Parente. E, após muitas negociações, o pedido é aceito.

“Eurípedes: Estás livre. Tua tarefa é fugir antes que o arqueiro chegue para te prender

Parente: Eu farei isto.” (pág. 108)

O arqueiro, percebendo que havia sido enganado, corre atrás de Eurípedes disfarçado. E história acaba.

Uma coisa é clara: Eurípedes aparece mais de uma vez como um herói cômico, tanto em “Temoforiantes” quanto em “As Rãs”, que eu ainda não li.

Para aqueles que, assim como eu, têm curiosidade pelo teatro grego, recomendo “Tesmoforiantes”, de Aristófanes, uma peça que merece um lugar de “HONRA” na sua estante.


Data: 01 dezembro 2025 (Atualizado: 01 de dezembro de 2025) | Tags: Comédia


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Tesmoforiantes
autor: Aristófanes
editora: Via Leitura
tradutor: Ana Maria César Pompeu
gênero: Comédia;

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