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Pastoral Americana

Como já é de praxe aqui nesse blog, Philip Roth tem seu lugar de honra. E não é para menos. É difícil não se emocionar com suas histórias. “Pastoral Americana” é algo inacreditavelmente desconcertante. Sobre o autor, já falamos em outras resenhas. Sua importância na literatura americana é incontestável. Suas obras já receberam muitos prêmios. Um escritor que considero completo.

A história de “Pastoral Americana” é contada na voz de Nathan Zuckerman, o alter ego de Roth, que também aparece em dois livros já resenhados aqui no blog, “Casei com um Comunista” e “A Marca Humana”, e também no livro “O Fantasma Sai de Cena”, ainda não resenhado, mas que em breve estará aqui entre nós, onde Zuckerman se despede.

A notícia mais triste que recebi no início desse ano foi que Philip Roth está se aposentando. Não sei se essa declaração foi do ano passado, mas eu soube este ano. Se isso for verdade, será uma perda inestimável. O único consolo é que lerei todos os seus livros de novo. Esse autor, eu leio e releio sem o menor problema. Haverá sempre tempo livre para reler suas obras. Para mim, sempre foi e será o meu grande mestre, o maior escritor americano da atualidade.

Vamos à história? Seymor Levov (o Sueco) assim como Nathan foram criados em favelas, as perspectivas de uma boa educação eram as piores possíveis. Incitados por uma geração de luta, todos foram criados e formados. O pai de Levov tinha um senso de dever inabalável. Para ele havia o caminho certo e o errado e nada mais do que isso. Um pai movido a ambições, preconceitos e crenças. Um homem limitado, mas com uma energia ilimitada. Alimentado na filosofia do trabalho a enfrentar os problemas onde eles estiverem. O trabalho era o grande amor desse homem.

Zuckerman (alter ego de Roth) preza suas memórias de infância no colégio. E Seymor Levov (o Sueco) é o protagonista e o biografado dessa história, um herói pessoal de Zuckerman, o biógrafo. Levov, um judeu loiro de olhos azuis, é estrela sem esforço em todos os esportes que pratica. Era um ídolo do esporte.

O romance é uma elegia a todas as promessas de prosperidade, ordem cívica e felicidade doméstica do nosso século. O protagonista reúne em sua pessoa o que há de melhor do sonho americano. Um atleta lendário em sua Newark (Nova Jersey), que cresce nos anos pós-guerra numa América em plena expansão econômica, um homem de família rica. Seu pai possuía negócios com luvas de couro e como bom filho que era assimilou os negócios do pai, com a mesma competência. Para coroar toda a sua bela história casou-se com a ex-Miss NewJersey e foi morar numa casa de pedra na aldeia idílica da Velha Rimrock. Como não poderia deixar de ser, uma filha aparece para fechar esse oásis familiar: Merry, a filha adorada e alegre, que Seymour supunha que seria uma réplica de sua mulher, Dawn Dwyer, de origem irlandesa e católica.

A história começa quando Jerry Levov, irmão de Seymour, encontra Zuckerman em uma dessas reuniões de amigos de escola nos tempos de juventude, 45 anos de formados. Jerry, ao contrário de seu irmão, é um cirurgião cardíaco famoso em Miami que seguiu outros passos, diferentes daqueles sonhados por seu pai. Nessa reunião, Zuckerman pega alguns detalhes fornecidos por Jerry, tomando conhecimento do fim trágico da vida do seu irmão, o Sueco. Com base em breves encontros e nas revelações obtidas de Jerry Levov, o biógrafo inicia a sua fabulação sobre a vida de seu herói da juventude. Existe algo de estranho. O relato do irmão de Seymour é bastante duro. E torna-se impossível, para alguém que imaginava o amigo tão perfeito, confrontar seu trágico desmoronamento.

Mas afinal: o que aconteceu? Não gosto de fazer isso, mas darei algumas pistas para você, leitor que nos acompanha, e convido-o a sentir a trama dessa história.

Tudo começa em um dia do ano de 1968.  Guerra do Vietnã, inquietação racial, um coquetel de eventos políticos que fizeram a precoce e gaga Meredith Seymour (Merry) se indignar com a conduta dos EUA nessa guerra. E mais do que isso: essa crítica se estende ao sistema americano. Ela traz essa guerra para dentro de casa. Aos 16 anos comete um ato terrorista. Ela planta uma bomba na caixa de correios de um médico e a explosão foi fatal.

Este ato faz com que ela torne-se uma clandestina. É expulsa de uma vida perfeita que o pai havia construído, jogando a família para o mundo do caos e da disfunção. Ela vive na clandestinidade.

Mas a pergunta que fica é a seguinte: em que lugar do passado de Merry Levov, filha de um industrial e de uma ex-Miss, veio desaguar em um ato tão tosco? Essa é uma pergunta que você, leitor, vai se fazer e o livro vai dar algumas pistas. Seria a história da América agindo sobre seus protagonistas?

Como o narrador poderia contar essa história livre de contágios, já que era tão próximo de seu herói e amigo? Não há isenção no livro. Não há condescendência. Zuckerman nos dirá o que pensa de Sueco. Vai nos dizer como o Sueco pensa sobre si mesmo. Vai nos dizer como Jerry Levov pensa sobre seu irmão e sobre si. Zuckerman não deixa nada mal contado. Não deixa pedra sobre pedra. Todas as narrativas agrupadas nas vozes de Zuckerman (primeira pessoa) e nas vozes dissidentes dos protagonistas dessa “Pastoral Americana”, dando ao leitor uma multiplicidade de leituras e abordagens. Posso dizer que foi uma das histórias mais fortes que li em muitos anos.

Philip Roth consegue tudo isso. Uma história que vai pulsar em todos os corações e mentes daqueles que lerem essa obra, onde torrentes de palavras artesanalmente escolhidas nos levará às trevas mais terríveis de nossa humanidade.

Pastoral Americana” é um livro que sempre estará em minha cabeceira e na minha estante. Um livro que nos faz pensar sobre o sentido da vida em toda a sua singeleza. Eu recomendo de olhos vendados.


Data: 08 agosto 2016 | Tags: Romance


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Pastoral Americana
autor: Philip Roth
editora: Companhia das Letras

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