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Futuro Ancestral

Um livro para se deixar levar pelo fluxo de ideias que, sem dúvida, fará você  refletir.

“Futuro ancestral”, de Ailton Krenak, jornalista e filósofo do povo Krenak, é um livro pequeno, denso e provocativo. Um chamado a perceber o mundo com mais respeito.

Antes de tudo, uma viagem conceitual sobre os rios, as matas, os costumes e a sabedoria existente nas tradições dos povos originários do Brasil, ontem e hoje, e a forma como se relacionam com tudo e todos que os cercam.

Todos os textos foram elaborados a partir de entrevistas, aulas e participações do autor em mesas de debates e eventos diversos. Muito bem alinhados por Rita Carelli, temos em mãos as análises e críticas de Ailton Krenak sobre como nos relacionamos com a “natureza”. Ao nos ausentar da “Natureza”, desse conceito criado por nós e do qual não nos sentimos parte, agimos como se fôssemos algo distinto ao todo, e assim perdemos a nossa conexão profunda com tudo aquilo que nos cerca e que deveríamos entender, sentir, respeitar e proteger.

Logo no primeiro capítulo, “Saudações aos rios”, o autor nos aponta o nosso distanciamento daquilo que deveria ser natural. Afinal, a proximidade e dependência do elemento água deveriam nos tornar mais atentos. Trago um trecho que pode contextualizar a visão do autor sobre as águas:

“Sempre estivemos perto da água, mas parece que aprendemos muito pouco a fala dos rios. Esse exercício de escuta do que os cursos d’água comunicam foi produzindo em mim uma espécie de observação crítica das cidades, principalmente das grandes, se espalhando por cima dos corpos dos rios de maneira tão irreverente a ponto de não termos mais nenhum respeito por eles” (pág. 13)

O autor nos traz a sua visão de mundo e nos oferece a oportunidade de enxergar a nossa existência de forma conectada. E será dessa conexão, do resgate desse “olhar ancestral” e de profunda sabedoria e respeito por tudo que nos cerca que dependerá o nosso futuro. Não podemos caminhar para a frente sem recuperar saberes antigos que percebiam a Terra como um organismo vivo e de interação conosco.

Esse livro é um convite a delicadas reflexões sobre nossos “mandos e desmandos” como espécie. Sobre nossa capacidade de ignorar limites em nome de nossos objetivos capitalistas, como se somente isso importasse. E, ao final deste capítulo, Krenak faz um apelo:

“Vamos escutar a voz dos rios, pois eles falam. Sejamos água, em matéria e espírito, em nossa movência e capacidade de mudar de rumo, ou estaremos perdidos.” (pág. 27)

Nos demais capítulos, temos várias reflexões sobre temas relacionados à nossa sociedade. Krenak analisa e critica o caos urbano, a arquitetura que elimina a natureza e o sistema capitalista que não cria indivíduos, mas consumidores dependentes, como ele mesmo  fala da “Polis”, tudo que as grandes cidades oferecem.

Traçando paralelos entre as cidades e as florestas, ele critica o conceito de cultura que exclui a natureza de tudo que é tido como “civilizado”, como se não fossem conceitos passíveis de convivência. E fala:

“Temos de reflorestar o nosso imaginário e, assim, quem sabe, a gente consiga se reaproximar de uma poética de urbanidade que devolva a potência da vida, em vez de ficarmos repetindo os gregos e os romanos. Vamos erguer um bosque, jardins suspensos de urbanidade, onde possa existir um pouco mais de alegria, vida e prazer, ao invés de lajotas tapando córregos e ribeirões. Afinal, a vida é selvagem e também eclode nas cidades”. (pág71)

E por fim, entre outras tantas considerações, ele chega à educação que oferecemos às crianças. E traça, mais uma vez, um paralelo entre a educação indígena e a dos homens socializados em cidades, dentro do sistema. Em nossa sociedade, as crianças são levadas desde cedo a escolas e expostas a um processo de “formatação social”. Não é permitido que elas demonstrem suas essências, as novidades que provavelmente vêm com elas, em suas almas novas ou antigas, repletas de saberes. A competitividade é estimulada desde cedo em detrimento do sentimento de colaboração e compartilhamento, cria-se um pódio de chegada fictício no qual muitos jovens se sentem excluídos e criam sentimentos de isolamento.

Em um dos trechos finais, Krenak pontua e nos convida a repensar no presente, o que podemos fazer para que haja uma mudança real e significativa agora, pois o futuro ainda está por chegar:

“As crianças indígenas não são educadas, mas orientadas. Não aprendem a ser vencedoras, pois para uns vencerem outros precisam perder. Aprendem a partilhar o lugar onde vivem e o que têm para comer. Têm o exemplo de uma vida em que o indivíduo conta menos que o coletivo (...) o que as crianças aprendem desde cedo é colocar o coração no ritmo da terra.” (pág, 118)

E foi assim que li esse “ Futuro ancestral”, sendo levado por ideias, críticas e tradições que deveriam ser conhecidas por todos; afinal, todos estamos preocupados com os rumos que nossa sociedade está tomando, mas ainda há tempo para mudanças. E esse livro é um chamado a repensar muitas questões convencionadas.

Ailton Krenak, nascido em 1953, no território do povo Krenak, no Vale do Rio Doce, é ativista, filósofo e jornalista de causas sociais e ambientais. Sempre atento, buscou dar voz aos povos indígenas em suas lutas por reconhecimento e territorialidade frente às organizações políticas do Brasil. Organizou a “Aliança dos Povos da Floresta”, que reúne diferentes comunidades indígenas e ribeirinhas na Amazônia e conseguiu colocar na Constituição de 1988 o “Capítulo dos Índios”, que garante aos povos indígenas o direito à sua cultura e terra, apesar de nem sempre podermos contar com isso. Entre outros reconhecimentos por sua luta, se tornou membro da Academia Brasileira de Letras, em 2023. Em uma entrevista, ao ocupar a cadeira entre os imortais, Krenak disse: “Não sou eu que estou aqui, eu represento muitos de nós e isso é o mais importante”.

 


Data: 27 fevereiro 2024 | Tags: Antropologia


< Mitologias A Câmara Clara >
Futuro Ancestral
autor: Ailton Krenak
editora: Companhia das Letras

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