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Adeus, Stalin!

Quando acabei de ler “Adeus, Stalin!” de Irene Popow duas coisas me vieram à mente. A primeira é que esse livro daria um filmaço, pois a narrativa da autora é excelente e muito visual. Podemos imaginar em nossa tela mental todas as passagens em todos os momentos do seu relato. A segunda coisa que me veio à mente foi uma famosa passagem do livro “Totalitarismo: Alguém disse totalitarismo?”, de Slavoj Zizek, quando ele diz:

Precisamente como marxistas, não deveríamos ter medo de reconhecer que os expurgos sob o stalinismo de certa forma eram mais “irracionais” que a violência fascista: paradoxalmente, esse mesmo excesso é um sinal inconfundível de que o stalinismo, em contraste com o fascismo, era um caso de revolução perversa autêntica. No fascismo, mesmo na Alemanha nazista, as pessoas podiam sobreviver, manter a aparência de uma vida cotidiana “normal”, se não se envolvessem em nenhuma atividade política de oposição (e , é claro, se não tivessem nenhuma origem judaica...); já no stalinismo do fim da década de 1930, ninguém estava seguro, todo mundo podia ser denunciado de uma hora para a outra, ser preso e morto como traidor. Em outras palavras, a “irracionalidade” do nazismo estava “condensada” no antissemitismo, em sua crença na conspiração judaica, ao passo que a “irracionalidade” stalinista perpassava todo o corpo social. Por essa razão, os investigadores nazistas ainda buscavam provas e traços de atividade efetiva contra o regime, enquanto os investigadores stalinistas se envolviam em invenções claras e inequívocas (inventavam conspirações e sabotagens etc).” (“Totalitarismo: Alguém disse totalitarismo?”, Slavo Zizek, pg 92)

Resumindo, Slavoj Zizek diz que a grande diferença entre o irracionalismo ideológico de Hitler e o de Stalin é que no irracionalismo de Stalin não havia método algum, pois todos podiam ser executados ou presos, mesmo defendendo os pontos de vista do “grande líder”, como era chamado. E as acusações pairavam sempre sob os mesmos motivos, ou seja, conspiração e sabotagem. Irene Popow nasceu em 1933, na cidade de Stalino, Ucrânia, filha de Alexandr e Valentina. Seu avô Ivan Mitroffánovitch Popow por parte de pai casou-se com Anya Popow. Seu avô era proprietário de uma mina de carvão, mas, com a instauração do governo revolucionário, seu avô foi absolvido da acusação de possuir uma mina. Seu pai tinha 14 anos na época. Mas essa absolvição partiu dos seus próprios empregados, que o consideravam um excelente patrão. E acabou transformando-se em um trabalhador comum. No entanto, a vida de Alexandr (pai de Irene Popow) começou a ganhar ares de perseguições políticas, por ter um pai ex-proprietário e uma mãe que se correspondia com seu filho (irmão de Alexandr), que desertou do exército para morar na Bulgária. Nada impediu que Alexandr se formasse em mineralogia e engenharia de construção de minas e que sua Valentina se formasse em arquitetura. E quando Alexandr se formou em 1931, casou-se com Valentina. Detalhe: foram três datas festivas simultâneas: o casamento propriamente dito; o dia Primeiro de maio – Dia internacional do trabalho, que na União Soviética era festejado durante 72 horas – e o aniversário de Valentina, mãe de Irene Popow. O fato de viver na condição de suspeito pelo governo stalinista fez com que Alexandr e sua mulher fossem transferidos para vários lugares. Segundo declarações de sua própria mãe, do nascimento até a deportação para Alemanha, dez anos mais tarde, foram despejados e transferidos dezenas de vezes, mas essas mudanças – segundo a autora – proporcionou vivência dela no campo junto com os animais. No ano em que Irene Popow nasceu, a Ucrânia estava vivendo o auge do Holodomor, nome atribuído ao holocausto ucraniano, também conhecido pela “Grande Fome da Ucrânia”, em que milhares de vidas foram ceifadas por causa de Josef Stalin. Tal visão tinha como motivo o ódio de Stalin aos ucranianos, mas há uma segunda hipótese: que esse extermínio representa a pura ação político-econômica do socialismo. Não é à toa a existência de uma piada, muito boa por sinal, sobre os dois jornais soviéticos, Pravda (A Verdade) e Izvéstia (As Notícias). “No Pravda (a verdade) não tem Izvéstia (as notícias) e no Izvéstia não tem Pravda”. As consequências desse período na família Popow foram impiedosos. Os relatos de Valentina à sua filha são assustadores:

Minha mãe contava que, no verão de 1933, grávida de mim, ela frequentemente desmaiava de fome. Nas lojas os únicos produtos disponíveis eram o arenque em salmoura, mostarda e abóboras. Todos os demais alimentos tinham que ser permutados por metais ou pedras preciosas. Nas padarias, havia balanças de precisão para pesar os anéis e os dentes de ouro, os quais eram trocados por pão e farinha. Como toda atividade comercial pertencia ao governo, isso deixava de ser uma forma de aumentar as reservas do Estado Soviético.” (Pg 32)

Quando os nazistas ocuparam a Ucrânia, como não poderia deixar de ser, os judeus foram suas vítimas prediletas. Entre essas vítimas, estava sua tia Fânia, que estava grávida e que permaneceu clandestina sem apresentar seu registro, e acabou morrendo juntamente com seu filho, ainda bebê, assassinados pelos alemães. Com a chegada dos alemães, seu pai fora encarregado de reativar a mina. Com a ofensiva soviética, a família tinha a consciência do que aconteceria caso não fugissem de Stalin. A imigração acabou sendo inevitável, todos tinham consciência do que aconteceria caso a família Popow ficasse. O exército soviético não teria nenhuma complacência com todos aqueles que, por falta de opção, acabaram tendo que trabalhar para os alemães. A imigração foi um episódio doloroso e não foi tão fácil assim. Uma viagem que durou três semanas. Quando chegaram, acabaram sendo transportados por caminhões militares até o campo de concentração em Katowice. Em vez de receberem a estrela amarela dos judeus, que nessa altura eram exterminados sistematicamente, os Popow receberam uns retângulos, com as letras “OST” costuradas na roupa no lado direito do corpo. “OST” em alemão designava os prisioneiros eslavos, cujo significado era algo degradante. À medida que as tropas soviéticas avançavam, e elas podiam ser sentidas pelos bombardeios de ambos os lados, tanto soviéticos como americanos, a sobrevivência era uma questão de sorte. Todas as habitações eram alvos fáceis. Alexandr (pai de Irene Popow) teve que conviver com uma bala perdida no peito por muito tempo, e Ludmila, irmã de Irene, teve que conviver com uma anemia que quase causou a sua morte, sendo salva por sua mãe, Valentina Popow. Com os russos batendo à porta, mãos uma vez os Popow tiveram que fugir em direção à Alemanha até encontrarem os americanos. Foram salvos por um judeu chamado Simon Bloomberg, que, num milagre, colocou-os fora das mãos irracionais de Stalin no fim da guerra. Se vocês acham que é spoiler tudo o que está escrito nesta resenha, é bom rever os seus conceitos. Isso que estou falando aqui não é nada, eu disse nada, do que está escrito no livro. “Adeus, Stalin!”, de Irene Popow, não retrata apenas a guerra, mas também o amor e a esperança dos Popow por dias melhores, após vivenciarem toda a Segunda Guerra Mundial e particularmente terem sobrevivido a Stalin e a Hitler. O livro mostra também o amor que Irene ainda guarda de sua amada Ucrânia. Mostra o amor que ela desenvolveu pelo Brasil e as semelhanças entre os dois povos no que concerne aos famosos “jeitinhos”. Stalin está morto, mas infelizmente o stalinismo ainda não, e no Brasil ainda encontramos adeptos. Mas isso fica para outra hora. A única coisa que posso dizer é que, sem dúvida alguma, “Adeus, Stalin!”, de Irene Popow, merece um lugar de destaque na sua estante.   botao-comprar    


Data: 05 junho 2017 | Tags: Biografias


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