Livros > Resenhas

Stalin: Triunfo e Tragédia 1939-1953 - Vol. 2

Será que Stalin tinha consciência dos seus crimes? Stalin gostava das coisas claras. Talvez ignorasse o julgamento da história. É aquele papo, ele foi um mestre em fazer passar seus erros, omissões e crimes, assim como conquistas, sucessos, visão, sabedoria e uma “constante preocupação com o povo”. Mas seus crimes foram mostrados e o julgamento da história foi implacável. No entanto, essa sombra ainda ronda corações e mentes até hoje.

Dimitri Volkoganov classifica o stalinismo como deformação dos princípios democráticos, sem os quais o socialismo perde tanto sua efetividade quanto seu atrativo. Stalinismo é sinônimo de alienação da classe trabalhadora do poder por meio da instalação de uma burocracia multifacetada e da imposição de uma fórmula dogmática na mente de todos.

Esse poder autocrático gerou uma apatia geral do povo russo. Stalin projetou sua vultuosa e nociva sombra no pensamento de esquerda, e esse eclipse dogmático e burocrata ainda persiste no pensamento de esquerda no mundo até hoje. Falaremos mais sobre isso em uma justificativa na escolha desse livro de Volkogonov.

O segundo volume do livro mostra o temor de Stalin em relação a Hitler. Sua desesperada busca no sentido de evitar a guerra levou-o a fazer um pacto de não agressão em 1939, conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop.

Esse pacto causou uma mudança drástica na linha política e ideológica, o que provocou perplexidade na opinião pública internacional. Um pacto sem nenhum princípio. Stalin, que mandara milhões de pessoas para a morte ou para os trabalhos forçados pela mais tênue suspeita de “impureza ideológica”, após esse pacto demonstrava uma total falta de escrúpulos ao confraternizar-se com o fascismo. O Comintern não conseguiu entender as razões dessa mudança ideológica súbita. A palavra fascista desapareceu do vocabulário da liderança soviética.

O Pacto Molotov-Ribbentrop, na verdade, tinha uma justificativa. Era o meio-termo que garantia condições externas favoráveis à consecução dos planos grandiosos que Stalin anunciara no último congresso, ou seja, ultrapassar os países capitalistas desenvolvidos.

E para isso, alguns documentos obtidos por Volkogonov em sua pesquisa mostram que nesse acordo estava em pauta a entrega a Hitler de diversos grupos antifascistas alemães e austríacos que haviam sido detidos nos anos de 1930 e estavam em prisões sob investigações.

Esse Pacto teve mais consequências, principalmente sobre os destinos das terras polonesas. Uma traição, pois equivalia à liquidação de um estado independente. E o mais irônico de toda essa história é que a Rússia havia assinado um tratado de não agressão com a Polônia em 11 de abril de 1939, bem antes do Pacto Molotov-Ribbentrop.

Após o massacre da Wehrmacht (as Forças Armadas da Alemanha) na Polônia, surgiu a dolorosa questão da deportação de um grande número de poloneses para a URSS.

Analisando os documentos de Molotov, que foi presidente dos comissários do Povo, Volkogonov encontrou um, preparado para Beria (chefe da polícia secreta de Stalin) pelo vice-comissário das questões internas, Cheryshev, que mostra que no período de 1939 a junho de 1941, 494.310 ex-cidadãos poloneses chegaram a URSS. No mesmo período saíram 42.492 ex-prisioneiros de guerra, que foram entregues aos alemães.

A pergunta que Volkogonov levanta é: “ex-prisioneiros de guerra” entregues aos alemães causam certa estranheza. Afinal, se a URSS não estava em guerra, onde foi parar o restante?

Em 1943, próximo a cercanias de Kozy Gory, foi descoberta uma enorme vala comum com os restos mortais de milhares de poloneses. Os nazistas negaram o massacre. Os soviéticos propagandearam mais uma brutalidade fascista. E agora? Onde está a verdade?

Examinando documentos da NKVD (transformada mais tarde na KGB), que era responsável pelos prisioneiros de guerra, o autor descobriu uma ordem 038, expedida por Beria, sobre a organização deste departamento especial. Durante os meses de abril e maio de 1940, soldados e oficiais do exército polonês foram removidos desses campos, mas jamais chegaram a lugar nenhum.

Os alemães não capturaram campos que contivessem prisioneiros poloneses, nenhum vestígio desses homens foi encontrado em outros campos alemães, tampouco foram construídos novos campos para os soldados e oficiais do exército polonês. No entanto, outro documento investigado por Volkogonov, assinado em maio de 1940 pelo coronel Stepanov, vice-chefe da seção especial responsável por esses prisioneiros, menciona como bem-sucedida a execução das medidas apropriadas para esvaziar os campos de prisioneiros da NKVD.

Vamos entrar em um novo ponto abordado no livro. A guerra. Quando a guerra começou, Stalin era o Comandante Supremo. Trabalhando de dezesseis a dezoito horas por dia, passando noites sem dormir, a consequência de tudo isso é que ele acabou ainda mais áspero, mais intolerante e, com frequência, malévolo.

A autocracia enfraquecia a possibilidade de pensamento independente e de iniciativa em todos os níveis. Na realidade, três pessoas trabalharam diretamente em contato com Stalin: Voznezensky, Zdanov e Krushev. O executor dos desejos de Stalin no Comitê Central era Molotov.

O início da guerra não foi muito auspicioso para Stalin, a quebra do pacto Ribentropp-Molotov começou em uma operação chamada de Barbarossa pelos alemães, quando milhares de mortos e a apropriação de enormes quantidades de armamentos do exército soviético davam sinais de desespero ao Czar vermelho.

Stalin não foi um líder genial propagandeado por muitos de seus admiradores. Tampouco era dotado do grande poder de prognosticar em função de seu dogmatismo mental. Carecia de habilitações profissionais militares. Chegou a alguma sapiência estratégica, segundo Volkogonov, à custa de tentativa e erro, salpicada de sangue.

Como líder, foi sustentado pela capacidade coletiva do Estado maior geral e pelos excepcionais talentos de algumas das personalidades que trabalharam próximo a ele durante a guerra. Entre elas, sobretudo, Boris Mikhailovitch Shaposhnikov, Zukov, Vasilievski e Antonov

Completamente insensível em relação às incontáveis tragédias causadas pela guerra, Stalin era guiado pelo desejo de infringir o maior dano possível ao inimigo, independentemente do custo humano para o povo soviético. As milhões de vidas humanas tornaram-se, para ele, estatísticas oficiais e frias.

Stalin tratava seus generais a ferro e fogo e exigia deles sempre que informassem diariamente sobre suas atividades. Certa vez, Shaposnikov foi abordado de forma dura por Stalin e este o lembrou de uma antiga tradição militar, a saber, quando o chefe do Estado Maior censura um general, este último tem que pedir na hora demissão do comando. Stalin olhou para Shaposnikov como se estivesse diante de um idealista incorrigível, mas não disse coisa alguma. A inteligência de um ex-coronel czarista desarmara Stalin.

Mas dentre todos os generais, Volkogonov destaca Zhukov. Foi ele que derrotou os alemães em Moscou, Leningrado e Stalingrado, tendo êxito em uma série de outras operações, sendo amplamente reconhecido. Sua popularidade cresceu, mas Stalin não queria dividir a glória com ninguém.

É bem conhecido o fato de que depois da guerra Beria engendrou um complô contra Zhukov. Usaram de álbuns de fotografias, onde o Marechal aparecia ao lado de oficiais ingleses, franceses e americanos. Grampearam seu telefone, violaram sua correspondência e arquivos pessoais. Usaram de diversos argumentos contra Zhukov, um deles foi que ele perdera a modéstia, creditando para si mesmo o mérito de ter conquistado as maiores das grandes vitórias. E foi punido. Acabou  punido e se viu transferido para longe dos refletores, ou seja, para lugares distantes quando a guerra acabou.

Outro ponto que foi intencionalmente ignorado pelos historiadores soviéticos foi a grande ajuda recebida em escala maciça pelos aliados, principalmente dos EUA.  Volkogonov aborda isso de forma bem consistente em seu livro.

Com o fim da guerra, Stalin tinha consciência de que a autoridade que desfrutara no país antes da guerra e, claro, no Comintern, tinha agora adquirido estatura mundial.

A vitória convenceu Stalin de que o Estado soviético e suas instituições eram inabaláveis, de que o sistema soviético era decididamente viável e de que sua política externa era correta.

Os primeiros discursos do pós-guerra foram sobre a recuperação da economia, como sempre realçando a necessidade de fortalecer a indústria pesada e a recuperação da agricultura, cuja condição era extremamente precária. Mas isso não passou da vontade. As fazendas coletivas não decidiam nada por conta própria, tudo era resolvido por autoridades, do tempo da colheita até a eleição do novo presidente da fazenda. Em poucas palavras, tudo era muito burocrático.

Outro ponto que Volkogonov aborda é a censura. Após a guerra, foi assinado o decreto de 1946. O mundo intelectual do Secretário-Geral baseava-se em postulados rígidos, para os quais a liberdade de pensamento constituía um risco intolerável.

Em 1946, uma cortina de ferro ou ideológica decididamente descera sobre a URSS e, dali por diante, e por muitos anos e décadas, o povo soviético só teria conhecimento sobre o Ocidente daquilo que funcionários da laia de Suslov achassem que deveriam saber. O gigantesco fosso de informações que se abriu entre os dois mundos empobreceu a vida intelectual soviética e privou a URSS do contato com a cultura mundial.

Volkogonov faz um balanço em seu livro sobre o ditador, perguntando: qual o custo do regime stalinista? Quantas vítimas ele fez? Quantas pessoas pereceram pela vontade do tirano e por sua máquina do terror? O custo da coletivização forçada de 1929–1933 foi de nove milhões de vidas camponesas. Entre 1937 e 1938, o número de cidadãos presos esteve entre quatro milhões e meio a cinco milhões e meio.

Assim, entre 1929 e 1953, pode-se dizer, segundo os arquivos pesquisados, muitos deles clandestinamente por Volkogonov, que as vítimas de Stalin totalizaram vinte e dois milhões de pessoas. Mas as mortes na guerra não foram inclusas nessa estatística aterradora. Porém, o historiador faz uma resalva dizendo que considera esses números muito conservadores. O que, em outras palavras, quer dizer: muitos mais morreram assassinados pela política malévola do Czar vermelho.

Paro por aqui. E como sempre, fazendo a ressalva de que tudo o que foi dito é um milésimo daquilo que o livro aborda. É uma das grandes biografias feitas por um historiador soviético. Existem outras tão boas quanto. Mas a novidade desse relato é que foi feita por um general russo, um historiador que pesquisou a fundo suas fontes. É provável que exista muito mais a contar. Mas a Rússia ainda não conseguiu purgar a sua história. Deixemos que a história prossiga. Um dia ainda saberemos muito mais. Por isso indico os dois volumes da biografia de Stalin como um livro essencial e que merece um lugar de destaque em sua estante.

Leia também a resenha do Vol 1: http://www.bonslivrosparaler.com.br/stalin-triunfo-e-tragedia-1879-1939-vol-1/


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Biografias


< Nicolau & Alexandra Stalin: Triunfo e Tragédia 1879-1939 - Vol. 1 >
Stalin: Triunfo e Tragédia 1939-1953 - Vol. 2
autor: Dmitri Volkogonov
editora: Nova Fronteira
gênero: Biografias;

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

Confissões

Vídeos

"Sangue e champanhe - A vida de Robert Capa" Vídeo-livro

Resenhas

Stalin: Triunfo e Tragédia 1879-1939 - Vol. 1