Livros > Resenhas

Sobrevoando Babel

Li “Sobrevoando Babel” do escritor Adilson Xavier, no ano passado, e conheci o escritor em uma de suas idas e vindas à livraria. Bom livro. Daqueles que você pega e segue sem pausa. Já deveria ter colocado esse livro aqui há mais tempo, mas a correria do Natal e final do ano numa livraria impedem qualquer programação normal. E agora, neste primeiro mês do ano, compenso minha falha.

Sinto-me inteiramente à vontade para falar sobre esse livro por ter gostado imensamente, o que me permiti indicá-lo com propriedade. Adilson Xavier é um publicitário premiado, vencedor de vários prêmios como redator e por agências importantes e reconhecidas nesse meio. Dono de uma escrita fluida, simples e envolvente, ele nos oferece em “Sobrevoando Babel” uma história pautada sobre o poder, num cenário onde os personagens sabem viver, blefar e ir em frente.

“Sobrevoando Babel” nos aproxima da história através de sua boa narrativa. Tudo é contado através do depoimento de seus onze  personagens. A cada capítulo, os personagens se revezam, contam episódios de suas vidas e traçam o perfil do protagonista: Douglas, um empresário e CEO de uma multinacional francesa, que leva uma vida pouco convencional na busca de manter o poder conquistado, e também o pivô de inúmeras críticas e mágoas.

Douglas é um personagem envolvente, um jogador e conhecedor de todas as regras do poder, e também como manipula-as,  de Maquiavel a Sun Tzu (A arte da Guerra). Em seus relacionamentos, ele acredita e prega que o segredo de uma união feliz é o interesse econômico, deixando bem claro,  em seus relacionamentos superficiais, que as regras do jogo são feitas por quem paga a conta dos grandes luxos.

Mulheres “atuais” e ex-mulheres, a mãe, os companheiros de trabalho, filhos, todos traçam o perfil de Douglas, e acabam por revelar seus “mundinhos” pessoais, seus verdadeiros “discursos” e suas estratégias. Sim, todos são estratégicos. Só que ao perderem, eles se colocam na cômoda posição de vítimas, alguns vingativos outros com mágoas profundas, e em diálogos íntimos ou inconfessáveis, uma  pergunta surge:  “onde foi que eu errei?”.

O livro narra as escolhas afetivas num espaço muito curto de tempo, expõe a facilidade da troca de relacionamentos como numa loja de celulares, onde modelos mais novos substituem os mais antigos, e parceiros são trocados por outros mais satisfatórios sexualmente, culturalmente ou por algum detalhe físico que  desperte atenção.

Por razões diversas, “Sobrevoando Babel” nos insere em uma rotina onde a ordem do dia é a dificuldade encontrada na convivência, na comunicação entre todos.

O objetivo maior é preservar a sensação de liberdade, facilitando a possível “saída” de um compromisso a ser rompido. Os abrigos que os personagens procuram são frágeis e de curta duração. Tudo flui em um frenético movimento e ninguém fica imune a seus efeitos. A informação e a obsolescência programada no mundo de hoje trazem a incerteza em todos os campos da relação humana; a falta de limites precisos e duradores evidenciam que todos estão neste mesmo barco: tanto os “alguéns” quanto os “ninguéns”.

Todos seguem o mesmo padrão e vivenciam “o vazio da liquefação”, utilizando-me da expressão de Baumann, dos sentimentos. No caso, o autor desenha um alguém poderoso, mas poderia ser um ninguém desprovido de poder. Afinal, estamos todos vivendo o mesmo despropósito de vínculos permanentes.

O que chama atenção na história é o “descartável”. Sem moralismos, evitando cair em discussões dicotômicas entre o “bem” e o “mal”. A  outra questão levantada pelo livro e seus personagens -  é a solidão.

Douglas tem consciência dessa solidão, mas tenta compensar no abrigo do lar, mas não por inteiro. Esse abrigo se dá até conhecer alguém em um voo a Paris, ou no seu próprio ambiente de trabalho. O foco é o objeto desejado. Entrar em novos relacionamentos sem fechar a porta para outros que possam se insinuar com contornos mais atraentes. A forma como acontecem seus casamentos já indica isso.

Como seu primeiro casamento que ocorreu três dias após a morte do pai. Uma festa realizada para que os convites não fossem cancelados, afinal, a festa estava pronta, e nada deveria atrapalhar os planos e  contrariar àqueles que foram convidados para o grande “evento”. O espetáculo não pode parar. Mas alguém vai pagar essa conta “gorda” onde um coktail de hedonismo desenfreado, dinheiro e poder dão o tom nas relações: os filhos, claro.

Todos os personagens entram e saem de relações, movimentam-se afetivamente em várias direções, acreditando que o próximo passo será o decisivo, mas apesar das estratégias femininas e masculinas - o que sobra é a solidão, e a agenda de telefones é o lugar comum para entrar, se abrigar e sair.

Douglas valoriza suas relações pessoais até a “página cinco”, pois suas preocupações com aparência, seus quatro casamentos frustrados, fazem dele um solitário, marcado pela angústia das possibilidades e da falta de modelos - e uma enxaqueca que nunca o larga.

O engraçado é que à medida que lia o livro, me lembrei de um documentário chamado “Hollywood Kids”, que assisti no GNT, na década de 90, e mostra esse hedonismo levado a máxima potência. Os filhos de grandes estrelas de Hollywood, muitos deles não sabiam quem eram seus pais. Todos transavam com todos, e muitas vezes o filho de um poderia estar se relacionando com o próprio irmão sem que ninguém soubesse.

Há um momento particularmente tocante em que uma filha não reconhecida de Clark Gable, passou sua infância vendo filmes do “pai” onde ele dizia para determinada personagem. “Eu virei para te buscar.” E essa “criança” que na época tinha uns 70 anos de idade revelava isso candidamente.

Adilson Xavier deve ter encontrado alguns “Douglas” nos corredores, entregas de prêmios, festas e salas de reuniões pelas quais circulou. E como bom escritor, os personagens se revelaram a ele com o tempo.

“Sobrevoando Babel” é um voo sobre uma sociedade que busca desordenadamente viver, sem perceber a fugacidade de seus objetos de desejo, pessoas impulsionadas por um jogo que desconhece regras, ignorando a solidão inerente ao homem e supervalorizando o movimento em detrimento do equilíbrio que acalma e restabelece.

Compre, leia, reflita. Esse livro é sobre nosso tempo, sobre todos nós.

E merece um lugar na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Romance


< Gustav Klimt: the complete Paintings A Queda >
Sobrevoando Babel
autor: Adilson Xavier
editora: Record
gênero: Romance;

compartilhe

     

você também pode gostar

Resenhas

A infância de Jesus

Resenhas

Homem Invisível

Resenhas

A Relíquia