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Como curar um fanático

Amós Oz, romancista de mão cheia e ativista político, é uma dessas personalidades que nos encantam pela inteligência e pela sagacidade. 

A leitura de “Como curar um fanático” é mais do que importante, é essencial nos tempos de hoje. Nesses tempos horrorosos que vivemos nas redes sociais aqui no Brasil, onde a polarização segue seu ritmo próprio de histeria, de cinismo e de fanatismos, o livro pode nos dar alguma luz de como lidar com o mal do fanatismo, que, acreditem, existe também no Brasil, com outros rostos, mas com a mesma virulência. E qual seria a esperança? De refletirmos sobre os nossos próprios pensamentos, sobre nossos próprios atos. A sabedoria, que deveria ser algo instigante e profícuo, tornou-se raiva crítica. Meias verdades ganham o selo de qualidade de verdades insofismáveis.

Vivemos o seguinte quadro aqui no Brasil: os mentirosos acusam mentirosos de falarem mentiras. E quem perde com isso? Claro que o bom senso. Amós Oz é um escritor e jornalista israelense. Ele é professor de literatura na Universidade Ben Gurion em Be’er Sheva. Um intelectual que recebeu muitas honrarias, inclusive no mundo árabe, além de ter recebido o prêmio a Ordem Nacional da legião de Honra na França. Seu livro “De Amor e Trevas” foi a primeira obra de um autor israelense traduzida para o chinês. Amós Oz tem sido um defensor proeminente, uma voz importante no debate sobre a solução de dois Estados para o conflito israelense-palestino. Baseando-se em fatos, ele diz que o conflito não é uma guerra de religiões ou de cultura. É uma disputa por terras. Uma batalha entre fanáticos e moderados de ambos os lados. Amós Oz, em nenhum momento, propõe que devemos amar os nossos inimigos, de forma alguma. Assim, ele conclui: "O que nós precisamos é de um compromisso doloroso". “Faça paz, não amor.” O que não quer dizer que o povo israelense pregue contra o amor.

 

“Mas sim em certa medida, tentando acabar com a confusão amplamente difundida entre paz e amor e fraternidade e compaixão e perdão e concessão e assim por diante, que faz as pessoas largassem suas armas, o mundo no mesmo instante se tornaria um lugar maravilhoso e adorável.” (pg41)

 

Mas devemos sentar numa mesa de negociação desarmados. Armados apenas da razão. A raiva é um sentimento poderoso. Falo sobre todos os aspectos. Pensem em um time de futebol. Pensaram? Quantos amigos que vocês conhecem torcem muito mais pela derrota do time adversário do que pelo seu próprio time? Politicamente as coisas ainda ficam piores. Todos trazem esquemas teóricos para serem acoplados à realidade e o resto que se dane. Dane-se a realidade. Só a minha teoria é a que vale. Sempre com alegações altruístas.

5“Como curar um fanático” é um livro rápido, que pode ser lido em uma hora e meia. No primeiro ensaio, “entre o certo e o certo”, Amós Oz nos mostra que o conflito entre israelenses e palestinos não é uma luta entre o bem contra o mal; pelo contrário, é uma tragédia antiga, é uma tragédia entre o certo e o certo. Os palestinos estão na Palestina por uma única razão: é a pátria do povo palestino. Da mesma forma que a Holanda é a pátria dos holandeses, ou a Suécia é a pátria dos suecos. Amós Oz salienta que os palestinos têm tentado viver em outros países árabes, mas sempre foram humilhados, perseguidos e humilhados. Aprenderam da forma mais difícil que eles são palestinos.

 

Na década de 1930 meu pai foi testemunha de um grafite rancoroso nos muros das cidades da Europa: “Judeus voltem para a Palestina”. Hoje em dia, os mesmos muros gritam para nós: “Judeus, saiam da Palestina”. Então onde fica a terra e a pátria do povo judeu? Ou fica na lua? Ou no fundo do mar? (pg22) ... Mas na década de 1930 meus pais, e os pais da minha mulher, e quase todos os outros judeus europeus, simplesmente não tinham outro lugar para ir. Seria Jerusalém ou ficar onde estavam, e eu não estaria hoje aqui. O mesmo acontece em relação a 1 milhão de judeus médio-orientais que foram expulsos de forma violenta dos países árabes muçulmanos ou fugiram desses países, escapando por um triz. (pg23)

 

O que torna esse conflito entre israelenses um conflito complicado e difícil, segundo Amós Oz, é o fato de ser um conflito entre duas vítimas. Duas vítimas do mesmo opressor, os europeus. A Europa, que colonizou o mundo árabe,  espezinhou a sua cultura, transformando o Oriente Médio em um parque temático, criando países artificiais para manter o seu domínio. Essa mesma Europa discriminou judeus, perseguindo-os, de uma forma nunca vista, massacrou-os em um crime sem precedentes na história humana. Israel tornou-se um grande campo de refugiados judeus. Sendo que metade foi expulsa de países árabes, mas os árabes não conseguem ver os judeus dessa forma, ou seja, como vítimas também.

O que torna particularmente difícil  a resolução desse impasse é o fato de os árabes encararem os judeus como extensão do colonialismo europeu e americano. Em outras palavras, cada uma das partes, tanto israelense como árabe, olha para a outra e vê a imagem de seus opressores do passado. Em vez de as duas vítimas desenvolverem um senso de solidariedade, na vida real acontece justamente o contrário, e da pior forma, ou seja, são precisamente vítimas do mesmo opressor e, no entanto, combatem entre si. Dito isso, sobra a pergunta central que está no título do livro: como curar um fanático?

Como o livro é pequeno, eu recomendo que o leiam. Mais do que isso, reflitam sobre ele.

Em qual categoria de fanáticos estamos inclusos? Amós Oz dá uma resposta que vai surpreender a todos nós. Por isso indico “Como curar um Fanático”, de Amós Oz.

Um livro essencial para os dias de hoje e que merece um lugar de destaque na sua estante.


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Ensaios


< Quarto O perseguidor >
Como curar um fanático
autor: Amós Oz
editora: Companhia das Letras
tradutor: Paulo Geiger
gênero: Ensaios;

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