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A Paz

Aristófanes é considerado o pai da comédia na literatura grega. Ao todo foram recuperadas onze peças, mas dizem que ele escreveu mais de quarenta peças em sua vida. E todas têm a marca da comédia na sua genética de poeta. Suas peças incomodaram muita gente boa na época. Sófocles e Platão foram alguns dessa legião de intelectuais e pessoas ligadas ao poder. Foi acusado de caluniador por Platão, inclusive. A verdade é que Aristófanes não aliviava ninguém, todos eram ridicularizados, Cleon, líder ativo de Atenas, também sofreu, sem deixarmos de mencionar o próprio Zeus. Aristófanes era um tipo destemido.

As peças gregas eram apresentadas em épocas bem determinadas, os festivais, celebrações na cidade de Dionísia. “Paz” foi escrita no fim da Guerra do Peloponeso e da obtenção da “Paz” de Nicias.

A “Paz” tem apenas um ato. Vamos à história?

Vemos a casa de Trigeu; no centro, a entrada de uma caverna fechada por grandes pedras; a esquerda, a morada de Zeus.

Podemos ver dois escravos preparando bolas de estrume para alimentar um escaravelho. Eles estão coletando estrume de vários lugares diferentes. Sentem-se de saco cheio pelo trabalho desagradável. Até que o segundo escravo chega para o público e pergunta onde ele pode comprar um nariz não perfurado:

“Segundo escravo: Me diga, quem souber, onde eu posso comprar um nariz sem buracos. Não conheço trabalho mais horroroso que esse de espremer comida para um escaravelho. Um porco ou um cachorro engolem sem luxinhos os nossos excrementos, mas esse bicho aí se faz de dengoso e não quer comer nada comer nada a não ser que eu tenha passado o dia todo amassando os bocados, como se fosse para uma mulherzinha muito delicada! Mas vamos ver se ele já parou de comer; vamos abrir a porta só um pouquinho para ele não notar a minha presença.” (pág. 20)

Lentamente, eles voltam para o escaravelho, e olham para seu dono, que loucamente fala para Zeus sobre a situação da cidade causada pela guerra:

“Trigeu: Ah! Zeus! Que é que você pretende fazer com os atenienses? Você não se incomoda de estar despovoando nossas cidades?” (pág. 21)

 A situação é muito desagradável, o escravo reclama e podemos ouvir Trigeu tentando dominar a excitação do escaravelho. Ele pensa em visitar Zeus montado no escaravelho. Os escravos pensam que ele está ficando louco. Mas Trigeu não dá ouvidos aos escravos e, montado no escaravelho, sai em direção a Zeus.

“Trigeu: Eu descobri nas fábulas de Ésopo que o escaravelho o único bicho voador que conseguiu chegar até os deuses.” (pág. 23)

Uma das filhas pede que o pai (Trigeu) tome cuidado, caso contrário ele se tornará um herói trágico:

“Uma das filhas: Papai! Papai! Essa história de um bicho tão malcheiroso ter chegado até os deuses é muito forte.

Trigeu: Ele chegou até lá por causa do ódio que sentia pela águia, há muito tempo, há muito tempo, e fez rolar céu abaixo os ovos dela para se vingar.

Uma das filhas: Você devia ter arranjado um Pégaso para aparecer diante dos deuses com um ar mais trágico.” (pág. 24)

Enquanto isso, no Olimpo, algo estranho está acontecendo, Hermes identifica a presença de humanos pelo cheiro. Até que ele leva um susto:

“Hermes: que cheiro é esse?

Abrindo a porta

Essa não! Que negócio é esse?

Trigou: Uma escara...valo

Hermes: Canalha! Atrevido! Sem vergonha! Canalha! Canalha mesmo! Supercanalha! Como é que você subiu até aqui, o mais canalha dos canalhas? Como é o seu nome? Você não diz nada?

Trigeu: Supercanalha

Hermes:  De onde você é?

Quem é seu pai?

Trigeu: O meu? Supercanalha” (pág. 25; pág. 26)

Depois do encontro assustador, Hermes ameaça acabar com a vida da Terra. Ele pergunta qual o motivo da presença dele (Trigeu) no Olimpo. Trigeu quer ver os deuses:

“Hermes: Há! Há! Há! Você ainda não está perto dos deuses. Eles foram embora se mudaram; mudaram-se ontem.” (pág. 27)

Hermes explica que os deuses abandonaram a Terra e puseram a Guerra aqui, para que os homens fiquem se matando uns aos outros. E os deuses resolveram sair, pois não querem ficar ouvindo súplicas. Os deuses estavam frustrados com os caminhos das cidades gregas. Trigeu insiste em falar com a Paz.

Hermes: A Guerra trancafiou a infeliz numa caverna profunda. (pág. 28)

A Guerra foi uma criação dos deuses, pois não gostavam da maneira como as pessoas optavam para resolver as suas pendências entre elas. Foi aí que eles (os deuses) optaram pela Guerra. Quando os deuses partiram do Olimpo em direção à outras paragens do universo. Trigeu entendeu o motivo da decisão deles de ir embora. Ele se esconde até que vê a Guerra chegar com toda a sua empáfia:

“Guerra: Ah! Mortais! Mortais muito desgraçados, como os queixos de vocês vão sofrer daqui a pouco!

Trigeu: Deuses! Que pilão! Que largura! Que horror! Que pinta desta Guerra! É desta aí que temos que fugir, a terrível, a inflexível, que... está escorrendo pelas pernas...

Trigeu se acocora como se fosse satisfazer uma necessidade premente, provocada pelo medo.

Guerra: Ah! Cidades que cheiram a alho! Três vezes, cinco vezes dezenas de vezes desgraçadas, de que forma vocês vão acabar hoje!

A Guerra joga os olhos no pilão

Trigeu

Aos espectadores

Isso ainda não é conosco, pessoa. Essa desgraça é para a Lacônia.

Guerra

Jogando mais alhos no pilão

Ah! Cidades que produzem muito alho! Como vocês vão ser piladas agora e reduzidas a picadinho! (pág. 29)

Trigeu está totalmente em pânico com que ele acaba de ver. A pergunta que ele faz é: o que será de nós (humanos)?

“Eis que chega a Desordem em pânico:

 Desordem: Coitada de mim! Coitada e muitas vezes coitada!

Guerra: O que que há? Você ainda não trouxe?

 Desordem: Acontece Que os lacedemônios também perderam o pau de pilão deles.

Guerra: Como sua preguiçosa?

Desordem: Mandaram-no emprestado não sei para onde e ele se perdeu por lá.

Trigeu: Bem feito! Bem feito! deuses! Talvez a situação melhore. Coragem, pessoal!” (pág. 32)

Trigeu dá um respiro, mas tudo ainda está na mesma situação. Ele fica feliz que a Guerra não conseguiu o pilão para fazer de morteiro. Enquanto a Guerra vai fazer um outro pilão, ele convoca o povo de sua nação em um esforço para libertar a encarcerada “Paz.” Quando a Guerra e a Desordem saem de cena, Trigeu olha para plateia e diz:

“Trigeu:  Agora é hora de cantar uma música badalativa, balançando as mãos levantadas: “Como é bom gozar! Hoje eu vou me estudar!” Gregos! Chegou a hora de libertar a Paz querida por todos, de nos livrarmos das brigas e combates, antes que outro pau de pilar apareça para atrapalhar! Vamos, lavradores e negociantes, artista, operários, imigrantes, estrangeiros, ilhéus, venham todos para cá, povo de todos os lugares, o mais possível, com picaretas, alavancas e cordas! Chegou a hora de ter juízo! (pág. 32)

Um coro de agricultores e camponeses gregos, liderado por um Corifeu, responde ao chamado e fala com grande alegria. No entanto, Trigeu os silencia, pois tem medo de revelar seu esforço para a guerra e despertar.

 Quando ele acaba de chamar todos para a realidade, chega Hermes, que o ameaça de morte. Trigeu não teme a morte e  tenta convencer Hermes. Todos tentam convencer Hermes a mudar de opinião.

“Trigeu: Vamos! Eu imploro! Comova-se com a falação deles! Além disso, eles agora rezam para você ainda mais do que antes.” (pág. 37)

Ele diz que o Sol e a Lua estão conspirando contra os deuses e estão entregando a nação grega aos bárbaros. De acordo com Trigeu, os gregos fornecem sacrifícios a Hermes e a outros deuses, enquanto os bárbaros prestam seu tributo ao Sol e à Lua. É por esta razão que os dois deuses planejaram perecer os gregos e tornar os bárbaros governantes da nação.

“Hermes:  Então conte. Talvez você me convença

Trigeu: A Lua e esse malandro do Sol conspiram contra vocês há muito tempo e traem a Grécia

Hermes: E por que eles fazem isso?

Trigeu: Ora! Por que nós fazemos sacrifícios a vocês e os Bárbaros a eles. Logo, como você já deve ter manjado eles gostariam de que todos nós fossemos aniquilados para serem as únicas divindades a receber oferendas. (pág. 38)

Trigeu produz uma taça dourada para Hermes, que se torna mais favorável aos humanos. À medida que Hermes vai bebendo. ele começa a guiar os humanos e todos eles amam o deus por sua ajuda.

O Coro quer saber o motivo pelo qual a Paz estava presa. Hermes responde:

“Hermes: Depois quando as cidades submetidas a vocês viram vocês brigando uns com os outros e mostrando os dentes, recorrerem a tudo contra vocês com receio dos tributos que teriam de pagar e conquistaram com bom dinheiro os Lacônios mais influentes. Estes ambiciosos, cínicos e falsamente amigos dos estrangeiros, repeliram vergonhosamente a Paz para estimular a Guerra. E os lucros deles foram a perdição dos lavradores, pois vossos barcos em represália saíam daqui para destruir as figueiras dos inocentes.” (pág. 47)

 Finalmente os trabalhadores voltam cada um para o seu trabalho a fim de libertar a Paz e eles puxam a pedra com todas as forças.

Aqui Aristófanes faz questão de mostrar uma coisa importante: a oportunidade de libertar a Paz, a história do Sol e da Lua, a oferta do cálice, fazer o coro ter (como  diríamos nos dias de hoje) um lugar de fala, e trabalhar para uma causa juntos. Mostra que Trigeu tem uma nobreza. Bem diferente daquele do início.

Após uma temporada no Olimpo, chega Trigeu em casa:

 

Trigeu

Reaparecendo em frente à sua casa acompanhado da Abundância e da Alegria e dirigindo-se aos espectadores:

Como foi difícil chega até a morada dos deuses! Vejam como as minhas pernas ainda tremendo! Vocês lá de cima pareciam insignificantes! Olhando lá do céu vocês pareciam ruins mesmo, mas daqui eu vejo que vocês são ainda piores. (pág54)

Quando chega, as perguntas não param, parecia um pop-star depois de um show no Olimpo. Ele diz que eles pareciam uns patifes vistos de cima. Agora ele vai sacrificar um cordeiro para honrar a Paz. Mas eis que chega Hiérocles, o adivinho:

“Hiérocles: Que significa este sacrifício? A que deus ele está sendo oferecido? (pág. 65)

Ele procura comida e diz para Trigeu que não é hora de desfrutar a paz, pois os deuses não quiseram. Trigeu recita Homero, que fala sobre os malefícios da guerra e se dirige a Hiérocles:

 “Trigeu: Bola! O oráculo composto por Homero:

“Afugentando as nuvens detestável

“da guerra, optaram pela paz e a ela

“um santo sacrifício dedicaram.

Depois de haver assado as gordas coxas,

“saciaram-se com as vísceras e ergueram

“as taças em solenes libações.

Eu indicava a via, mas ninguém

“oferecia a grande taça ao vate” (pág. 69)

Depois de comer sua parte, Trigeu vai à festa do seu casamento. Ele vai se casar com a Abundância.

O Corifeu entra.

 “Trigeu: Agora também, digam à noiva para vir para cá e acendam as tochas. Quero o povo que o povo todo participe da nossa alegria e da festa. Vai chegar a hora de tornar a levar as nossas ferramentas para o campo, depois de dançar, beber, expulsar Hipérbolo daqui e pedir aos deuses prosperidade para todos os gregos, montes de cevada para todo o mundo, vinho as pampas e figos para  nossa mulheres, a volta de tudo que perdemos e o fim do ferro em brasa. Aparece a Abundância, seguida de criados portando tochas. (pág. 80; pág. 81)

O Coro carrega o noivo nos ombros.

Fim

“A Paz”, de Aristófanes, merece um lugar de HONRA na sua estante.


Data: 08 setembro 2023 (Atualizado: 08 de setembro de 2023) | Tags: Comédia, Grega


< A ribeira que corre para a nascente Diário de um Louco >
A Paz
autor: Aristófanes
editora: Ediouro
tradutor: Mário da Gama Kury
gênero: Comédia;,Grega;

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