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A lebre com olhos de âmbar

Não sendo um "conhecedor" de arte japonesa, confesso que ao ler o prefácio deste livro temi que fosse restrito a "apreciadores" e eu acabasse ficando para trás, afinal, necessitaria um conhecimento extra sobre um universo distante do qual circulo. Mas foi só uma impressão, pois à medida que as páginas transcorriam, um enorme prazer, paralelamente a uma excelente aula de história me foi presenteada. Através das investigações de Edmond de Waal, um autor e ceramista totalmente desconhecido para mim, "A lebre com olhos de âmbar" me despertou o interesse em resenhar a obra e postá-la aqui para todos.

Sobre o autor é necessário que se diga que nasceu em Nottingham, Inglaterra, vindo de família religiosa, estudou na escola de Canterbury, onde aprendeu cerâmica com Geoffrey Whiting, conhecido ceramista. Depois, ampliou seus estudos na Língua japonesa e fez uma extensão no próprio Japão, pesquisando e se aprofundando na pesquisa de artesanato popular e arquivos sobre o tema e continuou a fazer potes, jarros de porcelana e com isso mostrando seu estilo. Seu trabalho, como ceramista, manteve-se praticamente dentro da tradição anglo-oriental. Nosso autor, além de escritor também é um ceramista famoso mundialmente e trabalhou como curador, conferencista, crítico e historiador de arte, é professor de cerâmica da Universidade de Westminster e coleciona vários prêmios e homenagens por seu trabalho. O livro "A Lebre com olhos de Ambar", lançado em 2010 e publicado pela editora Intrínseca no ano passado (2011) conta a comovente história de sua família.

Agora vamos ao livro que mescla a biografia de sua família, mas também assume momentos de romance.

Essa história começa com uma herança que Edmund de Waal herdou, uma coleção de 264 peças japonesas de esculturas em marfim, chamado netsukê. A partir dessa herança, Edmund de Waal descobre tanto a história dessas peças como a história de sua família. Esta coleção é antiga e que contém figuras que representam vários aspectos da vida japonesa, um mundo em miniatura com pessoas, animais e objetos.

Para complementar sua pesquisa para o livro, de Waal visitou seus parentes sobreviventes e visitou as casas palacianas de seus ancestrais. Essas explorações íntimas, retransmitidas em prosa, transformou sua história numa peregrinação solene e envolvente. Como Proust, De Waal tem a capacidade de evocar o passado familiar num banquete de detalhes, e com sua habilidade mistura fatos reais com ficção.

E assim começa este livro de memórias extraordinariamente mágicas e comoventes, uma história que segue o ritmo de uma investigação e que aos poucos vai descobrindo tanto a história dos netsukês, como a relação desses objetos com sua família, os Ephrussis, ao longo de cinco gerações. Sua história está ligada a uma dinastia de banqueiros, do século XIX, em Paris e Viena, os Ephrussis foram uma família rica e respeitada como os Rothchilds.

Charles Ephussis, a quem De Waal nos apresenta na primeira parte do livro, é o parente mais interessante que ele tem em sua árvore genealógica. Charles é um historiador de arte, crítico e colecionador. Ele vive intensamente a Era Impressionista, e compra trabalhos de Renoir, Manet e Degas. Sua personalidade serviu de inspiração para Charles Swann, nas memória de Proust. É Charles, que compra o netsuke do Japão num momento em que a arte japonesa estava em moda.

Com o correr das páginas, podemos descobrir minúcias familiares: a decoração da residência, os jantares, as vestimentas. E, ao mesmo tempo, o lado obscuro da ebulição política que derrubou o Império Àustro-Húngaro que culminaria com a transformação da história do mundo e as histórias pessoais de várias famílias.

A nota revoltante que esse livro revela é que na Áustria muitos daqueles que desapropriaram os judeus tornaram-se respeitáveis cidadãos após a instauração da nova república austríaca. Depois de todas as atrocidades, humilhações, espoliação e mortes, torna-se humanamente impossível não se emocionar com as narrativas desse período, mesmo sabendo que todas essas barbaridades já tenham ocorrido há tantos anos. Os Ephrussis fazem parte desse ultraje cometido pelos nazistas austríacos que aderiram, ao “Anschuluss”. O governo rejeitou todas as reparações, pois, segundo eles, a Áustria havia sido um país ocupado entre 1938 e 1945: a Áustria fora “vítima” e não protagonista da guerra. Da fortuna roubada pelos nazistas, os Ephrussis tiveram direito a algo semelhante convertido a moeda de hoje, algo em torno de 5 mil dólares.

A narrativa de Edmund de Waal é um portal que nos leva ao passado, onde somos deixados livres para reunir todas as memórias. O autor compartilha segredos relativos a sua árvore genealógica, como se estivesse compartilhando suas histórias com um membro da família. Uma biografia com toque muito pessoal e que nos relata sobre a experiência do próprio autor, mas ao mesmo tempo, pretende desvendar uma história esquecida, mas, agora, redescoberta. O livro é uma faculdade cromática de emoções. Como o autor observa no livro, a coleção dos "pequenos objetos" que ele herdou, acabou retornando ao Japão, através de seu tio-avô de Waall, de Ignace "Iggie" Ephrussi, que se estabeleceu em Tókio em 1947, e por quem de Waall sente um enorme carinho quando o reencontra.

Um livro carregado de detalhes, cheio de belezas e fantasias netsukês relatadas pelas mãos de um escultor-escritor. Querem uma dica? Compre duas cópias, mantenha uma com você e a outra será um presente inesquecível a um amigo querido. "A Lebre Com Olhos de Âmbar" é um livro fundamental na sua estante e recebe o nosso selo "Para estante, já!".


Data: 08 agosto 2016 (Atualizado: 08 de agosto de 2016) | Tags: Biografias


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A lebre com olhos de âmbar
autor: Edmund de Wall
editora: Intrínseca
tradutor: Alexandre Barbosa
gênero: Biografias;

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